Rápida Vingança


O filme Rápida Vingança (originalmente, FASTER), protagonizado por Dwayne “The Rock” Johnson, dirigido por George Tillman Jr. e roteirizado por Joe Gayton e Tony Gayton, é a típica produção que, num primeiro momento aos olhos de qualquer amante do cinema em sua forma clássica, pode ser observada ou descrita como um “clichê” ou um “mais do mesmo”. De fato, a obra cinematográfica é realmente um chavão da produção fílmica, mas possui seus traços singulares e instiga e prende o telespectador com uma trama bem trabalhada, envolvendo drama, mortes impactantes, vingança (obviamente) e muita ação, aspectos convenientes e quase sempre presentes nas criações estreladas por The Rock.

Rápida Vingança conta a história de Driver (The Rock), um antigo ladrão que fora traído por um grupo de comparsas após uma ação assaltante a um banco, quase morto e recluso sob uma pena de 10 anos, onde passou a arquitetar o grande projeto de desvendar quem matara seu irmão, também envolvido no plano falido; e é aí que se toma sentido a “vingança” tão exaustivamente ressaltada no longa. Neste caminho, o filme possui em seu decorrer uma série de flashbacks que tentam indicar uma explicação lógica para sua cena inicial, onde Driver já se encontra sendo liberto da cadeia, pensando em castigo para os que o traíram. A partir deste ponto, podemos refletir sobre a teoria da vigilância e punição discutida com imensa propriedade pelo filósofo francês Michel Foucault, em seu Vigiar e Punir, e podemos também constatar sua inaplicabilidade institucional, no caso do condutor personagem principal da produção, o que influencia decisivamente os acontecimentos. Deteremos-nos a isso mais adiante.
Vigiar e Punir é uma obra originalmente publicada no ano de 1975. Escrita por Foucault, expõe de maneira objetiva as ordens ou poderes instituídos representados pelo plano “vigilância” acompanhado propriamente pela ação “punitiva” dentro dos meios sociais. Primeiro, tentaremos aqui estabelecer uma definição básica destes termos. Para o filósofo, a sociedade, sob um modo de ver genérico, é estruturada a partir de configurações sociais baseadas em normas morais, leis e discursos previamente vigorados. É diante deste conjunto de ideias que me vejo quase que obrigado a abordar também outro pensador francês, Émile Durkheim, quando este discute o “assunto da sociologia”, a saber, os Fatos Sociais, em seu Les règles de la méthode sociologique, publicado primeiramente em 1895. O que vale destacar mutuamente nestas obras são as considerações acerca da usabilidade do conceito de sociedade: como aquilo que possui costumes e formas de pensar exteriores e independentes, que estes valores tradicionais têm ocorrência em toda a sociedade em questão, e que se os indivíduos forem de encontro a essas normas serão inevitavelmente punidos em alguma instância.
Vigilância e Punição, na concepção de Foucault, são instrumentos que serviriam para educar (controlar, na verdade) o indivíduo, para enfileirar os comportamentos desviantes. A vigilância sugere observação, isto é, a espreita dos indivíduos a fim de que se constate se estes estão exercendo sua funcionalidade dentro do sistema e se não estão contrariando as leis compartilhadas sócio-historicamente, que devem ser “indubitavelmente” obedecidas (de forma cotidiana) e que envolvem substancialmente os costumes, gestos, valores de cada consciência individual, tendo como objetivo primordial vetar quaisquer possibilidades de oposição ao poder construído e garantir, assim, que as pessoas exerçam seus papéis na sociedade. Já a punição vem como resposta caso isto não seja efetivo. O poder legitimado institui penas que servem para reeducar o indivíduo quando este não segue as regras ditadas, a fim de torná-lo novamente integrante do meio onde os valores são distribuídos, produzindo coerção (seja física ou moral) responsável por promover a não reincidência da transgressão. De acordo com Foucault, no entanto, seria a Vigilância – através do que se chama de panoptismo - o instrumento mais rentável e lógico a ser aplicado. Ora, se tornou muito mais acessível vigiar, observar o indivíduo, cujo resultado é mais presente, do que investir diretamente em todo um processo de ressocialização individualizada, que, geralmente, é mais dificultoso e pouco probatório em uma sociedade disciplinar.
O filme se constrói indiretamente com base nestas idéias desde seu início: partindo da saída de Driver da prisão - caracterizando o fim da ação punitiva e a tentativa de estabelecimento da reintegração do indivíduo ao sistema social de papéis, função e sentido chaves desta instituição -, até após este momento, quando a personagem principal busca vingança (pela morte do irmão e pelo golpe sofrido) e passa a ser caçado por Cop (Billy Bob Thornton), aparentemente um agente veterano comum da polícia que fora estranhamente designado para o caso e que incorpora, neste caminho, a acepção (ou falso significado, nesta ocasião) da vigilância tão bem trabalhada por Foucault. Driver também tem outro problema em seu encalço: um matador de aluguel (Oliver Jackson-Cohen) fixado em aventura e bastante egocêntrico, contratado por um alguém misterioso que deseja imprescindivelmente a morte do protagonista. No entanto, seria desnecessário trabalhá-lo mais afincamente no viés desta análise, ao passo que não adquire necessariamente a figuração do Estado. Não do Estado moderno.
Driver, no transcorrer da trama, assassina, sem hesitar, quase todos os envolvidos (poupa a vida do regenerado então Reverendo, por este ter sido o único a não concordar com o ato) naquela traição que resultara na morte de seu irmão e em sua prisão. No entanto, há um hiato: quem seria o mandachuva da quadrilha que emboscou Driver e seus comparsas? Quem estaria por detrás da ordenação para matar Driver e seu irmão (visto que o motorista não morrera por muito pouco)? Quem teria sido o cérebro da operação? Como foi possível que se passassem 10 anos sem que nada fosse realmente resolvido? São questionamentos que o espectador se faz até bem antes do final do longa. O interesse de Cop pelo caso do ex-presidiário era bastante compreensível. Pois bem, tudo não passava de uma tentativa de queima de arquivo. No passado, Cop foi o responsável por emboscar, roubar e matar a quadrilha de bancos da qual Driver participava. O policial veterano havia contratado o matador de aluguel, anonimamente, para que este assassinasse Driver. A trama ganha sentido a partir disso. Cop, na verdade, seria o grande mentor do plano de emboscada aos assaltantes do banco. E é aqui também que o espectador chega a perder-se, uma vez que o policial, durante quase todo o filme, não transmite seu lado sombrio. A primária impressão que se tem dele, na verdade, é que ele é um agente decadente da polícia que está tentando ganhar a vida, encerrando conturbadamente sua carreira em alguns meses, e que não seria capaz de roubar um banco e, tampouco, assassinar brutalmente uma pessoa. Rele engano. Essa é uma das alternativas que o roteiro encontra para prender o espectador: o mistério em torno das personagens. O final reserva o desfecho de todos os enigmas, a revelação dos planos banditistas através de flashbacks (característico, como ressaltei, desde o início do filme) e as surpresas de todas as personagens com esta situação de patência: Driver descobre que Cop é um policial corrupto, enquanto o matador de aluguel desvenda finalmente quem o contratou, o próprio agente. Driver finalmente consegue sua vingança, matando Cop e conseguindo a verdade.
Enquanto última percepção, podemos identificar no longa-metragem Vingança Rápida a parcial ineficácia do Estado no que diz respeito à organização dos sistemas prisionais e como o diálogo Punição X Vigilância, trabalhado por Michel Foucault, pode ser facilmente transgredível: no que é respeitante à punição - apontando, neste caso, necessariamente para a ação da prisão, que não exerce seu papel reformador do indivíduo, quando nos referimos a Driver (uma vez que ele não retorna para a sociabilidade e para a sociedade de papéis); no que é respeitante à vigilância – quando se percebe que a ordem policial é corruptiva, destacando a atuação de Cop.
Recomendo o filme. De uma maneira geral, é bem construído comercialmente, pois possui todos os ingredientes chamativos dignos de um bom filme de ação. A linha cinematográfica seguida por The Rock, aliás, quase sempre tivera essas características, como no caso de Bem-vindo À Selva (The Rundown), de 2003, e Com As Próprias Mãos (Walking Tall), de 2004.
Ligações externas: http://www.fasterthemovie.com/
Williams Machado

Trailer do filme

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