Sobre janelas e caixas de sapato - Medianeras: o amor virtual em Buenos Aires

"Todos os edifícios têm uma parte que não servem para nada. Não dá para frente, nem para o fundo: a medianera. São superfícies que nos dividem e lembram a passagem do tempo, a poluição e a sujeira da cidade. As medianeras mostram nosso lado mais miserável, as inconstâncias, as rachaduras, as soluções provisórias. É a sujeira que escondemos embaixo do tapete. Só nos lembramos delas às vezes, quando, submetidas ao rigor do tempo, elas aparecem sob os anúncios".



Bauman escreve sobre os amores líquidos. Renato Russo cantarola que 'digam o que disserem: o mal do século é a solidão". Gustavo Taretto dirige Medianeras e revira ao avesso a ideia da virtualidade das relações. É fluida, superficial? Escorre pelos dedos tão logo a gente ache que há um quê de profundidade? Porque é assim que estamos: vivendo e trabalhando frágeis, nos ares, pelo wi fi, e pelos eletrônicos que não nos deixam respirar sem antes chegarem em novas e novas versões.

Mas nem tão rápido assim, ou nem tão fluido. O virtual se abriga no concreto, quando a distribuição do espaço físico contextualiza, logo no inicio do filme, a lógica de seus interiores: o filme começa ambientando Buenos Aires e sua absoluta falta de critérios na construção de apartamentos: "irregularidades estéticas e éticas".

Temos vários motivos para pensar que tudo não passa de grandes metáforas. Assim como as vidas e os relacionamentos construídos a la Bauman, "vivemos na cultura do inquilino. Construímos sem saber como queremos que fique. Vivemos como se estivéssemos de passagem em Buenos Aires". 

E aí a obra nos pede cautela de novo. Não, não podemos nos limitar a acreditar que se trata apenas de metáfora. Não são metáforas de uma cultura, mas uma cultura que se metaforiza em coisas bem tangíveis. Esses sentimentos, perdições, essa falta de bússola - ou melhor, de GPS -  é amparada em uma distribuição muito concreta da cidade, social e economicamente construída. É Harvey, agora, atualizando-nos de que a urbanização está intrínseca ao capitalismo, à "mobilização do excedente". E, complementaria nossos personagens: "O que esperar de uma cidade que dá as costas para o rio? Violência familiar, falta de comunicação, falta de desejo, depressão. E tudo culpa dos arquitetos".

Martin (Javier Dolas) mora em uma quitinete, vive no cyberspaço jogando videogame. Vai ao psiquiatra, tira fotos, quer buscar formas de redescobrir a cidade. Sua ex-namorada foi embora porque disse ser muito americana para aquele lugar. Deixou a cachorra. "A internet aproxima do mundo e distancia da vida", ele pensa, e põe seu login para começar o chat.

Mariana (Pilar López) é uma arquiteta que nunca construiu nada. Os relacionamentos também não deram certo. Ruiu o último, de quatro anos, com a reflexão: "como posso ser tão próxima de uma pessoa tão diferente?". "Conclusão estúpida: 140 dias, 35.040 horas com a pessoa errada".  Se a vida dela fosse um jogo, lhe "caberia o castigo de voltar cinco casas". Ela ocupa o espaço de vitrinista, porque o anonimato é que a deixa tranquila. Claustrofóbica, sobe 20 andares pela escada para jantar com colega de trabalho. Tem medo do elevador.

Melhor jogar "Onde está Wally", de preferência repetidamente.

E assim, Mariana e Martin, em meio a vários desencontros e manias, constroem suas janelas. E os dois destroem tijolos. Ela põe um piercign. Eles veem filme, cada um em sua caixa. E o filme é do Woody Allen. E então entram no bate-papo e trazem-nos a expectativa: foram feitos um para o outro e, no bate-papo, descobrirão isso tudo.

Só que não adianta serem feitos um para o outro se os espaços não lhes possibilitam o encontro. Finalmente se avistam em um bate-papo virtual qualquer: "Estranho falar com alguém com quem não sei nada". Ele pede: me ligue para que eu, finalmente, saia de casa e vá nadar amanhã. Quando Mariana vai anotar seu telefone, a eletricidade falta. E, afinal, em um mundo onde a crise econômica os leva a viver em caixas de sapato, eles dependiam de energia elétrica para aquele contato. E os dois vão para o mesmo lugar, com o intuito de comprar velas. Mas não se conhecem.

Voltam para suas caixas de sapato, os prédios sem janelas, até que a esperança começa a vir a tona. Eles ainda não se encontraram - e não vou ser a spoiler aqui :3. A vida continua entediante, mas "contrariando os códigos de edificação modernas, se abrem minúsculas, irregulares e irresponsáveis janelas que permitem que raios de luz iluminem a escuridão em que vivemos".

Se "virtualidade" significa "potência", diria que o filme não se trata da potência de um encontro romântico ou coisa que o valha. Mas talvez um pouco mais. É a potência de reproduzirmos humanidade, mesmo quando nossos atos se voltam à construção e confinamento em caixas de sapato, como bichos acuados, economicamente limitados e geograficamente perdidos. Podia ser a esperança de Harvey, quando questiona que "o direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade." 

Mas em Medianetas, a esperança ainda é mais como aquela sutil e importante mudança que fazemos abrindo uma claridade dentro de casa, ou nos surpreendendo com o alívio de perceber que o Wally consegue ser achado.

Trailer

Contracorrente

(muitos spoilers)
O filme se passa em uma praia de pescadores do oceano pacifico e narra uma história de amor. Miguel (Cristian Mercado) é um pescador respeitado na vila onde mora e trabalha. Casado com Mariela (Tatiana Astengo), está prestes a ganhar o primeiro filho, mas ele vive um romance com Santiago (Manolo Cardona), artista chamado pelos moradores de Príncipe Encantado (Veja mais aqui). Filme peruano de 2009 do diretor Javier Fuentes-León, trata de um tema sutil e delicado para a sociedade contemporânea: O AMOR.

A obra me levou ao livro “Dona Flor e seus dois maridos” do escrito brasileiro Jorge Amado, onde um terceiro indivíduo participa da relação de marido e mulher, só que nesse caso não é a esposa que tem outro, mas o marido que tem outro. Um amor homoafetivo, isso mesmo, ele namora com um outro cara. Vivendo em um vila onde todas as tradições sociais e culturais locais que regida por uma prática católica e por atitudes que definem a sua sexualidade, como assistir novelas ou ver futebol, perpassando pela definição de papeis sociais bem estabelecidos, ou seja, a mulher cuidada da casa enquanto o homem trabalha para sustentar a família.

Diante desse contexto Miguel mantêm um romance secreto com Santiago, no entanto a relação dos dois não pode ser publicizadas por Miguel não aceitar a sua homossexualidade e decidir seguir os preceitos de sua comunidade. Porém, a história de amor não se encerra em uma tragédia, pois Santiago morre em um acidente mais seus espirito permanece na praia e próximo a Miguel, o único que o ver.

Com essa nova condição Miguel prospecta manter a relação com sua esposa que terá um filho em breve e com o espirito de Santiago. Até porque o seu amor agora de fato é invisível e ele pode fazer tudo que desejava com Santiago, mas ninguém o verá. Talvez essa seja o maior tema do filme o amor invisível aquele que não incomoda que não traz danos nem olhares de outros.

Mas a estória de Miguel e Santiago é descoberta pela fofoqueira da vila que fala para os quatros ventos da sobre essa relação fazendo com que Miguel e sua esposa tenha problemas e Miguel seja socialmente evitado por seus amigos, nessa situação o protagonista nega a todos alguma relação com Santiago. E ai, nem o espirito aguenta e perde para não se mais procurado. Até mesmo devido um pedido que havia sido realizado por ele no primeiro momento em que viu Miguel depois de morto que encontrasse seu corpo e lhe desse um enterro no mar como era o costume local. Miguel encontra o corpo, mas para não se desfazer o seu amor invisível o que só decide fazer quando todos desconfiam de uma relação dele como pintor. 

O corpo encontrado por Miguel some no mar novamente e encontrado pelos pescadores, o que leva Miguel a dilemas e a se senti obrigado a fazer o que havia prometido a Santiago de jogar seu corpo no mar, mas para isso ele oficializaria todas as desconfianças de sua esposa e da sua vila.

O protagonista vive um dilema se aquele amor invisível se tornaria visível mesmo sem o Santiago vivo. Então ele resolve enterrar Santiago e dar visualidade a sua relação com o pintor. Aqui há uma divisão na vila onde alguns não desprezam Santiago e outros que os negam.

O filme tem uma fotografia simples mas muito bonita e traz a beleza natural dos seus atores, nos remetendo a realidade de uma vila de pescadores a pobreza, as dificuldades são secundárias no filme, pois o amor não acontece apenas em contos de fadas ou em comunidade abastardas. No entanto, a obra mostra a proibição do amor que não é aceito pela sociedade a liberdade de amar é evocada e exposta no filme de uma modo delicado, por isso a tentativa do pescador em manter os seus amores próximos e fazer todos felizes.

Em suma, entre a liberdade de amar e os que nos é permitido Miguel optar por ser livre e amar e não mais ser invisível.

Trailer: