Get On The Bus

Costumo dizer para alguns amigos que a prova de que um filme é bom é quando a gente faz questão de ver todos os créditos ao final. Qual o nome daquele ator? e o daquela atriz? a música que tocou em certo momento, quem a compôs? quem a canta? de quem é o roteiro? etc.
Um bom filme desperta a curiosidade, provoca, perturba. Leva as pessoas a ficarem horas e horas matutando o sentido de uma frase, de uma cena, de uma melodia executada em determinada parte.
Get On The Bus, do cineasta estadunidense Spike Lee, é uma destas produções que incomodam, e que por isso, em minha acepção, merece ser visto repetidas vezes. O longa é um Road Movie sobre um grupo de homens negros que parte de Los Angeles, Califórnia, com destino a Washington, capital dos Estados Unidos, onde irá ocorrer um protesto chamado “Marcha de Um Milhão de Homens”. Mesmo sendo “puxado” por um líder bastante controverso – Louis Farrakham –, o qual é descrito em alguns momentos da película como misógino, homofóbico e antissemita, o evento conseguiu reunir pessoas das mais diferentes matizes, inclusive muitas que discordam veementemente da postura retrógrada de Farrakham.

O filme gira em torno dos dilemas de cada um dos que seguem no ônibus. O diretor acerta em cheio ao abordar de forma singela e desarmada alguns temas polêmicos relacionados às vidas dos personagens. Nos bancos do veículo há sujeitos que são próximos e ao mesmo tempo bem distantes em suas concepções e formas de viver suas vidas e, sobretudo, sua negritude. Há ali, só para citar uns poucos exemplos, um jovem que antes de se converter ao Islã fez parte de uma perigosa gangue de L.A., tendo matado não poucos desafetos seus e dos seus comparsas. Próximo a este há um policial filho de pai negro e mãe branca, e que revela em conversas com os colegas de viagem que seu pai também foi da polícia e que este foi assassinado por um criminoso negro.
Há outros casos tão emblemáticos quanto, como o de um rapaz homossexual que conta ter feito parte da marinha estadunidense e ter sofrido ali discriminação tanto por ser negro como por ser gay. Ele declara ainda ter apanhado dos “companheiros de farda”, os quais diziam que lhe batendo “estavam matando dois coelhos com uma cajadada só”, ou seja, punindo o negro e o “marica”, como se fosse crime ser uma coisa e outra.
Spike Lee leva o espectador a conhecer as diversas facetas do preconceito nos Estados Unidos, e o faz de modo muito competente, imprimindo em cada cena um realismo que emociona e conscientiza.
A meu ver, Get On The Bus tem muito a contribuir com o debate atual sobre racismo, identidade e gênero. Nestes tempos em que a política tem visto surgir grupos e movimentos sociais que reivindicam não apenas o direito à igualdade, mas também o “direito à diferença”, o filme de Spike Lee é uma grande inspiração para se pensar a situação de homens e mulheres que sufocados/as por distintas formas de opressão – de classe, de gênero, de raça – querem fazer-se ouvir e dar vida a uma sociedade mais justa e respeitosa, a qual não só é possível como necessária.
Charles dos Santos


Assista ao trailer:

Buena Pregunta!

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