Soul Kitchen



Uma das regras básicas em Antropologia é que “comer” é uma necessidade biológica, mas o “como comer” é uma construção sociocultural. Comer não é um fato social, lembrando o bom e sempre incômodo Durkheim; é, por outro lado, uma carência inscrita no organismo das pessoas; e de natureza totalmente diferente é o que as pessoas fazem com essa carência.

Desse modo, há indivíduos em comunidades rurais espalhadas pelo Brasil que costumam almoçar “muito cedo”, às nove ou dez horas da manhã; há também pessoas que não entendem a janta como o consumo igual daquilo que fora posto no almoço; a janta tem uma “cara própria”, que se distingue daquelas do café da manhã e da segunda refeição diária.
Quis fazer essas divagações antes de escrever a respeito do filme que me proponho a comentar porque, primeiro, em minha opinião há a necessidade de um olhar mais atento para o ato de comer e de tudo que o envolve, e, segundo, Soul Kitchen (Alemanha, 2009), do cineasta turco-alemão Fatih Akin, trás à baila algumas questões relacionadas ao modo como comemos na contemporaneidade, quando a pressa e um pragmatismo pungente nos fazem perder de vista a gama de sentidos que há na partilha dos alimentos.
O personagem central da história é Zinos Kazantsakis (Adam Bousdoukos), proprietário de um restaurante chamado Soul Kitchen, na cidade de Hamburgo. Talvez sejamos tentados a acreditar que, na verdade, o protagonista do filme seja o próprio restaurante, pois não é difícil perceber que todos os conflitos, catarses e reconciliações envolvendo os personagens giram em torno de sua relação com ele.
Zinos é um sujeito que tem passado por maus bocados. Perseguido por órgãos do governo – e sem dinheiro para pagar as dívidas ou fazer as mudanças que estes órgãos pedem –, tem que lidar ainda com o fim do namoro com a bela Nadine Krüger (Pheline Roggan) e com os problemas trazidos por seu irmão, o presidiário Illias Kazantsakis (Moritz Bleibtreu). As coisas ficam mais complicadas para ele quando descobre ter uma hérnia na coluna.
Afora as tensões entre os personagens e entre estes e o restaurante, um sujeito que chama a atenção desde a sua primeira aparição no filme é Shayn Weiss (Birol Ünel). Ele é um chef que prima pela “arte na cozinha”. Os pratos que Shayn faz realmente têm alma; ele valoriza cada detalhe, cada nuança daquilo que faz e que será posto à prova por um paladar anônimo. Uma crítica ao “faz de qualquer jeito”? Por ai; Shayn, numa certa parte do longa, prefere sair de um restaurante onde trabalhava antes do Soul Kitchen do que se vender ao “gosto do cliente”.
É um filme que deve ser visto pelas risadas que provoca, e também por trazer um olhar bem realista sobre as relações interpessoais na atualidade, que no filme ganham destaque a partir da vivência em um restaurante um tanto alternativo. Um espetáculo à parte é a trilha sonora de Soul Kitchen, que em minha opinião é uma das melhores desses últimos anos. Se der vontade de cozinhar após terminar de ver os créditos finais não estranhe.


Trailler:

Buena Pregunta!

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