Em toda casa existem alguns
hábitos que fazem parte do cotidiano da família, dos amigos. Quase que
religiosamente, fazemos algumas coisas banais que, mesmo sem perceber, são passadas para as próximas
gerações. Reunir o pessoal, fofocar, jogar, brindar, brigar, fazer refeições juntos e
por aí vai. Todo mundo sabe do que estou falando. Lá em casa, por exemplo, um
dos rituais mais requisitados por alguns anos era assistir Two And a Half Men
(Dois Homens e Meio) durante qualquer refeição. Em diferentes situações, lá
estava a série americana iluminando nossa sala. Nem as piadas repetidas
deixavam de ser engraçadas, eram confortáveis aos nossos ouvidos, como o Chaves
ou Chapolin, que se sentem em casa no nosso ambiente (não estou comparando os
clássicos, por favor!). Era bem estimulante perceber as diferenças entre
irmãos, os conflitos de Alan e Charlie: um que anda na linha e só se dá mal; outro que exagera na diversão e dificilmente sofre consequências. Tudo isso
atrelado ao desenvolvimento de um garoto, fortemente influenciável e também
rodeado por mulheres dominadoras e castradoras, tomando Malibu, Califórnia,
como cenário perfeito. Essa minha experiência não é uma experiência isolada.
Muita gente tomou a série para si e a fez parte dos rituais de família, afinal,
são 12 anos de produção e muita história pra contar (8 anos, se contarmos a
"parte que valeu", com Sheen).
Em 2011, após uma série de
acontecimentos (e ofensas) que geraram a demissão de Charlie Sheen do papel
dele mesmo pela Warner Bros, a história tomou novo rumo (pouco agradável) nas
mãos do talentoso, porém no lugar errado, Ashton Kutcher, que faria Walden
Schmidt, um bilionário da internet (Ashton, inclusive, tornava-se o ator mais
bem pago da TV americana). O primeiro episódio foi um espetáculo de audiência!
Todos ansiosos para ver o desfecho de Charlie, que havia então morrido, e a
introdução aguardada de Walden, o bonitão que daria novo sentido à vida de
Alan. Entretanto, daí pra frente, a série foi decaindo... Empurrada com a barriga.
Pra completar, Jake começa a sumir do posto. O garoto, que arrumou vaguinha de
cozinheiro no exército, começa a desaparecer gradativamente, tornando Dois
Homens e Meio em apenas Dois Homens. O ator Angus T. Jones (Jake), inclusive,
deu sérias declarações indicando não se orgulhar de tudo o que viveu no show e pedindo
aos fãs e demais que não assistissem o programa, pois este não lhes traria nada
de bom, nenhum conteúdo. Depois disso, seu papel foi ainda mais reduzido.
A necessidade por uma nova
estrela era gritante. Bem, eles tinham estrelas, mas não eram Charlie. O perfil
mulherengo, bêbado e irresponsável clamava por ser novamente inserido. Ideias surgiram e fracassaram. Alma de Charlie,
filha de Charlie, e por aí vai (não sei se rolou mais coisas, confesso que não
tive paciência pra ver o desenrolar das temporadas com Ashton). Muitas
tentativas, nenhuma bem sucedida. O programa, que já foi a principal comédia
da TV americana, perdia definitivamente sua fonte de inspiração e precisava se despedir.
Até que, em comunicado oficial, a
presidente da CBS confirmava: a 12ª temporada seria a última. "Chuck Lorre
está criando um evento que vai durar uma temporada inteira. Chuck é muito
neurótico com isso, ele tem algumas ideias ótimas e grandes surpresas",
afirmou.
Pronto! Era tudo o que mídia e
fãs precisavam ouvir para começarem as especulações. Será que Charlie retorna
ao seu posto para uma despedida? Seria fantástico! Será que sim? Ou não? Acho
que sim! Sim? O ator não negou participar, ao menos, do último episódio.
Posteriormente, com o aproximar do episódio final, declarou que seu retorno
para a série deveria acontecer e caso não acontecesse, seria um "crime
contra a humanidade do entretenimento". Capengando em Anger Management, seria outra grande oportunidade para Sheen voltar em boa forma para um grand finale. Aproveitando para dar um mais do
mesmo, voltou a criticar Chuck que, segundo ele, seria o único empecilho para
este retorno triunfal. Muito se especulou, os meses se passaram, e eis que o
grande momento chegou.
Com nada confirmado, muito menos
negado, a mídia enlouqueceu e começou a noticiar o último episódio, que poderia
contar com a triunfal surpresa da aparição de Charlie, na noite da última
quinta-feira, dia 19 de fevereiro de 2015. O nome do episódio não dava muitas
esperanças: "Of Course He's Dead" ("É claro que ele está
morto"). De toda maneira, era o fim. O fim da atualização dos nossos
rituais. Era preciso se despedir do defunto. Pensei em acompanhar as temporadas
que perdi, pra me contextualizar. Mas não tive tempo nem paciência. Mesmo
assim, quis ver o último episódio. É errado, eu sei! Mas me conferi esse
direito. Afinal de contas, sou eu, o cara que faz o ritual quase todos os dias
de ver, aos menos, dois episódios ou três da saga dos irmãos Harper. Então, fui
lá.
No desenrolar da história, todos aqueles clichês de fim de festa. A construção em torno da suposta morte
de Charlie (pois ele sempre foi o foco da série, mesmo depois de sua saída), o resgate de alguns personagens centrais nas épocas de ouro. As
meninas que mexeram com o coração do garanhão: Mia, Chelsea, Srta. Pasternak...
Todas recebem uma generosa quantia de Charlie como pedido de desculpas, pois... SIM! UÉ?! ELE ESTÁ VIVO?! Vozes
retumbantes, historinhas em flashback, a Rose... Coisas que montavam o final
tão aguardado. Ele vai aparecer. Ele vai! Não vai? Vai! Vai? Na penúltima cena,
Alan, Walden e Berta estão tomando cerveja no deque, olham para o céu e avistam
um helicóptero carregando um piano. Será que ele voltou? Será que não está
morto? Será? Acho que sim... Sim! Sim? Do lado de fora, alguém com o biotipo
idêntico ao de Charlie se aproxima da porta, toca a campainha e, de repente,
um piano cai e o esmaga. Ué? Ele morreu? Não é possível! Sim, meus amigos. Era
o Charlie e, dessa vez, ele realmente morreu. Tinha sido feito de refém todo esse tempo pela maluca
da Rose após sua traição e finalmente estava de volta, por pouco tempo. Bem, não era Charlie
Sheen, mas era Charlie Harper em um final horrorosamente decepcionante. Logo em
seguida, Chuck Lorre, sentado em seu trono (em que raríssimas vezes fez merda)
olha para a câmera e diz "Winning!" e, sobre ele, também desmorona um
piano e o esmaga.
Era inacreditável. Muitas
críticas negativas foram desferidas contra Chuck Lorre mas, da minha parte,
fica apenas a decepção por um arranjado final tão meia boca. Nem a participação
especial de Arnold Schwarzenegger melhorou as coisas. Faltou um tanto de
criatividade para Chuck, o mesmo Chuck da aclamada série The Big Bang Theory e
das boas promessas, como Mom e Mike & Molly. Mas, era um fim. Um fim tão
confuso que foi até explicado. No final do episódio, Chuck exibe uma carta onde
indica que o final pode não ter agradado aos fãs, mas deixa claro que houve o
convite para o retorno de Charlie que, sendo Charlie, não funcionou a partir de
várias condições não atendidas. Um fim com a "cara" de tudo o que a série havia se tornado. Obviamente nem tudo será apagado. Foram muitas boas risadas e muitas lembranças guardadas em torno de um entretenimento que mudou a forma de fazer humor na TV dos Estados Unidos, junto com Friends e TBBT. Mesmo assim, não acho que você tenha vencido essa, Chuck. Apesar de seu brilhantismo, Charlie sempre foi o foco e sua saída representou o declínio do espetáculo. Mesmo bêbado e sem noção, sentiremos sua falta.