Alemão - um novo conceito

★★★★ (Muito bom)barriga
Olá, amigos leitores.

Fomos ao cinema, na Zona Norte do Rio de Janeiro, acompanhar o filme "Alemão", dirigido pelo paulista José Eduardo Belmonte. Perceba: dizer onde vimos esse filme é fundamental para a compreensão dos elementos que norteiam minhas impressões sobre o mesmo mais à frente. O motivo é simples: assistir a essa produção em território carioca tem um significado que supera o simples envolvimento com a trama. Trata-se de uma trama baseada em um dos fatos recentes mais importantes para a cidade, com repercussão nacional e internacional, no combate do Estado ao tráfico de drogas. O Complexo do Alemão é um bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, pacificado desde 2011 (junto a outros bairros que também vêm sofrendo intervenções do governo, com a ação das unidades de polícia pacificadora). Anteriormente a esse processo, o Alemão era indiscutivelmente considerado como um dos locais mais violentos da cidade do Rio de Janeiro, tendo como seu núcleo o Morro do Alemão. Não cabe aqui discutir os resultados das ocupações e as condições atuais desses territórios, isso poderíamos deixar para uma análise sobre o processo em outro espaço (e muito menos é o foco da produção). Mas sim, apontar algumas impressões sobre o filme, sobretudo no que confere a atuações de destaque. Fique tranquilo, acredito que não é um texto com tantos spoilers assim.

Elenco


A trama conta com um elenco recheado de atores experientes em filmes do gênero, como: Caio Blat ("Samuel"), Milhem Cortaz ("Branco"), Cauã Reymond ("Playboy"), Antônio Fagundes ("Delegado Valadares"), Gabriel Braga Nunes ("Danillo"), Otávio Müller ("Doca"), Marcello Melo Jr. ("Carlinhos"), Mariana Nunes ("Mariana"), Jefferson Brasil ("traficante Senegal"), Marco Sorriso ("Caveirinha"), MC Smith ("Mata Rindo") e Aisha Jambo ("Letícia").

Em "Alemão", um plano policial de investigação e camuflagem está em curso naquele complexo. Em vias da ocupação das tropas e confronto direto, alguns policiais ainda estão infiltrados dentro do complexo, onde devem lutar para não apenas escapar de uma guerra iminente, mas transmitir as principais informações sobre a organização dos traficantes no território sem serem detectados. Em um misto de investigação, tensão e ação, "Alemão" não apresenta a pompa de "Cidade de Deus" ou "Tropa de Elite", mas sem dúvidas é um filme mais objetivo se comparado a todos esses, retratando de maneira muito clara e organizada um recorte contextual específico (do ponto de vista da polícia e dos traficantes, e não dos civis), amparado por um roteiro simples e direto, que transmite as informações mais relevantes sobre a história com dinamismo e eficácia, além de contar com algumas atuações de destaque que ajudaram a temperar a produção. Quanto a esse último aspecto, tenho algumas observações a fazer: tenho ouvido/lido alguns comentários em relação ao papel de Cauã Reymond, que teria decepcionado por não ser um vilão mais motherfuck, mas, no meu ponto de vista, isso não procede. Cauã teve grande destaque no filme, numa atuação que (confesso) me surpreendeu (muito ajudada pelo seu workshop no universo do funk carioca). Na pele do líder do tráfico Playboy, Cauã experimentou uma vida de luxo, mas também (esse é o foco do filme) os momentos que precediam "o fim de seu reinado". Ainda visivelmente transtornado pelo término de uma relação amorosa, que lhe rendeu um filho (sua ex-companheira é vivida por Mariana Nunes), e pelas pressões externas ao seu esquema de tráfico que careciam de tomadas de decisão rápidas, Playboy ainda oscila enquanto líder e, nos momentos de maior tensão, chega a fraquejar no poder, sendo consolado e animado por um de seus capangas. Portanto, não se trata de um bandido insano e determinado a pôr tudo em risco por uma possível fome insaciável de matança, mas sim, de um jovem que ergueu um castelo no mundo do tráfico e se vê prestes a perder absolutamente tudo, tendo, desta forma, que agir de acordo com suas limitações e dúvidas que o cercam. Playboy estava encurralado.

Além de Cauã, é possível citar: Milhem Cortaz possui um tino para filmes de caráter policial, atuando, como de costume, sempre na frequência da tensão e da rispidez, elementos costumeiros em seus dificílimos papéis policiais. Não deixa a desejar na pele de Branco; Antônio Fagundes, além de delegado responsável pela operação, é pai de um dos policiais infiltrados no Complexo do Alemão, vivido por Caio Blat. Seu filho, Samuel, enfrenta situações de extrema dificuldade, que põem em risco sua vida e o futuro da operação, o que faz com que Valadares (Antônio Fagundes) alterne frequentemente entre sua postura rígida e compenetrada de policial experiente e de pai preocupado com as condições do filho, ilhado no morro; Otávio Müller é o Doca, integrante do esquadrão de inteligência da polícia carioca e sustenta a fachada de dono de um estabelecimento no Complexo do Alemão, que funciona como um elo que liga os policiais infiltrados com aquela comunidade. Otávio Müller fez muito bem seu papel, como de costume. É difícil desferir algum comentário preciso sobre um ator que tão bem consegue manter um padrão de qualidade nas atuações. Apesar de seu estabelecimento servir como esconderijo aos policiais ilhados, sendo assim um cenário central no filme, Doca permanece apenas como um "meio", uma das muitas ferramentas da operação. Por vezes irrita por parecer neutro e não se envolver diretamente com as decisões alheias, apesar de ter seu futuro definido por elas (como vocês verão ao assistir), mas nada que o comprometa; Dentre outros muitos destaques que poderiam ser feitos (como Gabriel Braga Nunes, que fez um bom filme mas continua sendo um ator muito "sem sal", e Marcelo Melo Jr., que também não deixou a desejar), cito Mariana Nunes, que vive a personagem homônima Mariana, grande amor do Playboy. Com um filho para sustentar e precisando resolver questões cotidianas, Mariana deixa-o em casa na expectativa de voltar o quanto antes, mas entra no lugar errado e na hora errada, permanecendo toda a trama junto dos policiais infiltrados, angustiada por ter deixado seu filho sozinho, desamparado, no meio dos conflitos que ficavam cada vez mais intensos.

"Alemão" não é só um filme, é um filme baseado em fatos reais como anteriormente destaquei. No decorrer dos eventos, dava pra ouvir os cochichos na sala de cinema, alguns comentários vindos de pessoas que se familiarizavam com cada acontecimento, alguns sussurros que concordavam com as formas de abordagem policial, outros discordavam... Mas para todos, os fatos despertavam algum sentimento, não havia indiferença na sala, nem mesmo para nós (alagoanos do Sociedade Encena) que acompanhamos os principais fatos da ocupação do complexo pelos noticiários. Ninguém estava alheio! "Alemão" é um filme maduro, talvez exibido num dos melhores momentos do cinema nacional (que amadureceu bastante). As comparações com outros filmes de ação sempre irão existir ("é melhor ou pior do que Tropa de Elite?"), mas "Alemão" é um filme rodado da maneira que deveria ser, sem exageros nem lacunas muito gritantes a ponto de serem comprometedoras. Fizeram o que se propuseram a fazer. Talvez você sinta falta de uma perspectiva por parte da população que enfrentou esse trauma da desocupação do tráfico, mas essa foi uma ausência proposital, uma escolha do roteiro. Talvez, outro diretor queira investir nesse sentido, mais para frente. Aqui, não havia espaço. Essa escolha livrou o filme de ser dilacerado por uma enxurrada de eventos pouco desenvolvidos, o que se nota em alguns filmes que se baseiam em fatos reais.

Assistir "Alemão" é necessário, principalmente para você que acompanhou outras tramas entre "polícia e ladrão" feitas aqui no país. "Alemão" é um novo conceito de fazer filmes do gênero. Filme com um conteúdo bem retratado e que constrói seu próprio legado, sem precisar "dar continuidade" a outros sucessos de bilheteria.




Veja o trailer e até a próxima!

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