Olá, amigos leitores.
Fomos ao cinema, na Zona Norte do Rio de Janeiro, acompanhar
o filme "Alemão", dirigido pelo paulista José Eduardo Belmonte.
Perceba: dizer onde vimos esse filme é fundamental para a compreensão dos
elementos que norteiam minhas impressões sobre o mesmo mais à frente. O motivo é
simples: assistir a essa produção em território carioca tem um significado que
supera o simples envolvimento com a trama. Trata-se de uma trama baseada em um
dos fatos recentes mais importantes para a cidade, com repercussão nacional e
internacional, no combate do Estado ao tráfico de drogas. O Complexo do Alemão
é um bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, pacificado desde 2011 (junto a
outros bairros que também vêm sofrendo intervenções do governo, com a
ação das unidades de polícia pacificadora). Anteriormente a esse processo, o
Alemão era indiscutivelmente considerado como um dos locais mais violentos da
cidade do Rio de Janeiro, tendo como seu núcleo o Morro do Alemão. Não cabe
aqui discutir os resultados das ocupações e as condições atuais desses
territórios, isso poderíamos deixar para uma análise sobre o processo em outro
espaço (e muito menos é o foco da produção). Mas sim, apontar algumas impressões sobre o filme, sobretudo no que confere a atuações de destaque.
Fique tranquilo, acredito que não é um texto com tantos spoilers assim.
Elenco
A trama conta com um elenco recheado de atores experientes em
filmes do gênero, como: Caio Blat ("Samuel"), Milhem Cortaz
("Branco"), Cauã Reymond ("Playboy"), Antônio Fagundes
("Delegado Valadares"), Gabriel Braga Nunes ("Danillo"),
Otávio Müller ("Doca"), Marcello Melo Jr. ("Carlinhos"),
Mariana Nunes ("Mariana"), Jefferson Brasil ("traficante
Senegal"), Marco Sorriso ("Caveirinha"), MC Smith ("Mata Rindo")
e Aisha Jambo ("Letícia").
Em "Alemão", um plano policial de investigação e
camuflagem está em curso naquele complexo. Em vias da ocupação das tropas e
confronto direto, alguns policiais ainda estão infiltrados dentro do complexo,
onde devem lutar para não apenas escapar de uma guerra iminente, mas transmitir
as principais informações sobre a organização dos traficantes no território sem
serem detectados. Em um misto de investigação, tensão e ação,
"Alemão" não apresenta a pompa de "Cidade de Deus" ou
"Tropa de Elite", mas sem dúvidas é um filme mais objetivo se
comparado a todos esses, retratando de maneira muito clara e organizada um recorte
contextual específico (do ponto de vista da polícia e dos traficantes, e não
dos civis), amparado por um roteiro simples e direto, que transmite as
informações mais relevantes sobre a história com dinamismo e eficácia, além de
contar com algumas atuações de destaque que ajudaram a temperar a produção.
Quanto a esse último aspecto, tenho algumas observações a fazer: tenho
ouvido/lido alguns comentários em relação ao papel de Cauã Reymond, que teria decepcionado
por não ser um vilão mais motherfuck,
mas, no meu ponto de vista, isso não procede. Cauã teve grande destaque no
filme, numa atuação que (confesso) me surpreendeu (muito ajudada pelo seu workshop no universo do funk carioca).
Na pele do líder do tráfico Playboy, Cauã experimentou uma vida de luxo, mas
também (esse é o foco do filme) os momentos que precediam "o fim de seu
reinado". Ainda visivelmente transtornado pelo término de uma relação
amorosa, que lhe rendeu um filho (sua ex-companheira é vivida por Mariana
Nunes), e pelas pressões externas ao seu esquema de tráfico que careciam de
tomadas de decisão rápidas, Playboy ainda oscila enquanto líder e, nos momentos
de maior tensão, chega a fraquejar no poder, sendo consolado e animado por um
de seus capangas. Portanto, não se trata de um bandido insano e determinado a
pôr tudo em risco por uma possível fome insaciável de matança, mas sim, de um
jovem que ergueu um castelo no mundo do tráfico e se vê prestes a perder
absolutamente tudo, tendo, desta forma, que agir de acordo com suas limitações
e dúvidas que o cercam. Playboy estava encurralado.
Além de Cauã, é possível citar: Milhem Cortaz possui um tino
para filmes de caráter policial, atuando, como de costume, sempre na frequência
da tensão e da rispidez, elementos costumeiros em seus dificílimos papéis policiais.
Não deixa a desejar na pele de Branco; Antônio Fagundes, além de delegado
responsável pela operação, é pai de um dos policiais infiltrados no Complexo do
Alemão, vivido por Caio Blat. Seu filho, Samuel, enfrenta situações de extrema
dificuldade, que põem em risco sua vida e o futuro da operação, o que faz com
que Valadares (Antônio Fagundes) alterne frequentemente entre sua postura
rígida e compenetrada de policial experiente e de pai preocupado com as
condições do filho, ilhado no morro; Otávio Müller é o Doca, integrante do esquadrão de inteligência da polícia carioca e sustenta a fachada de dono de um
estabelecimento no Complexo do Alemão, que funciona como um elo que liga os
policiais infiltrados com aquela comunidade. Otávio
Müller fez muito bem seu papel, como de costume. É difícil desferir algum comentário preciso sobre um ator que tão bem consegue manter um padrão de qualidade nas atuações. Apesar de seu estabelecimento servir como esconderijo aos policiais ilhados, sendo assim um cenário central no filme, Doca permanece
apenas como um "meio", uma das muitas ferramentas da operação. Por vezes irrita por parecer neutro e não se
envolver diretamente com as decisões alheias, apesar de ter seu futuro definido por
elas (como vocês verão ao assistir), mas nada que o comprometa; Dentre outros muitos destaques que
poderiam ser feitos (como Gabriel Braga Nunes, que fez um bom filme mas
continua sendo um ator muito "sem sal", e Marcelo Melo Jr., que
também não deixou a desejar), cito Mariana Nunes, que vive a personagem
homônima Mariana, grande amor do Playboy. Com um filho para sustentar e
precisando resolver questões cotidianas, Mariana deixa-o em casa na expectativa
de voltar o quanto antes, mas entra no lugar errado e na hora errada, permanecendo
toda a trama junto dos policiais infiltrados, angustiada por ter deixado seu
filho sozinho, desamparado, no meio dos conflitos que ficavam cada vez mais
intensos.
"Alemão" não é só um filme, é um filme baseado em
fatos reais como anteriormente destaquei. No decorrer dos eventos, dava pra
ouvir os cochichos na sala de cinema, alguns comentários vindos de pessoas que se familiarizavam
com cada acontecimento, alguns sussurros que concordavam com as formas de
abordagem policial, outros discordavam... Mas para todos, os fatos despertavam
algum sentimento, não havia indiferença na sala, nem mesmo para nós (alagoanos
do Sociedade Encena) que acompanhamos os principais fatos da ocupação do complexo
pelos noticiários. Ninguém estava alheio! "Alemão" é um filme maduro,
talvez exibido num dos melhores momentos do cinema nacional (que amadureceu
bastante). As comparações com outros filmes de ação sempre irão existir ("é melhor ou pior do que Tropa de
Elite?"), mas "Alemão" é um filme rodado da maneira que
deveria ser, sem exageros nem lacunas muito gritantes a ponto de serem
comprometedoras. Fizeram o que se propuseram a fazer. Talvez você sinta falta
de uma perspectiva por parte da população que enfrentou esse trauma da desocupação do tráfico, mas essa foi uma ausência proposital, uma escolha do
roteiro. Talvez, outro diretor queira investir nesse sentido, mais para frente.
Aqui, não havia espaço. Essa escolha livrou o filme de ser dilacerado por uma
enxurrada de eventos pouco desenvolvidos, o que se nota em alguns filmes que se
baseiam em fatos reais.
Assistir "Alemão" é necessário, principalmente para
você que acompanhou outras tramas entre "polícia e ladrão" feitas
aqui no país. "Alemão" é um novo conceito de fazer filmes do gênero. Filme
com um conteúdo bem retratado e que constrói seu próprio legado, sem precisar "dar
continuidade" a outros sucessos de bilheteria.
Por Wanderson Gomes
Veja o trailer e até a próxima!