A você, pessoa de bom
coração, que bota fé no desenvolvimento espiritual autogerado da humanidade. A
você, que acredita na ética, na educação do caminho reto, na justiça que não,
não falha, ainda que tarde. A você que repete desavisadamente aquela máxima reaça de que 'bandido bom é bandido morto'.
Enfim, a você, pessoa certinha, que adora aqueles filmes (ou os slides no power
point) que deixam uma boa e costumeira lição de moral, deixo-lhes um recado e
um alerta: esta postagem pode ser encarada como um desserviço.
Existem filmes que nos
testam, que colocam em xeque até o mais bem resolvido integrante do lado *mocinho* da história. São longas desprovidos de hipocrisias
moralistas, que trazem críticas a trator em forma de diálogos brilhantes e sem
delongas, e que... bom, te fazem encarar um certo sentimento indesejado. Eis que, de repente, você *não quer*
ver o bandido morto. Você sequer quer vê-lo preso ou se dando mal. Por você,
aliás, é bom que a polícia nunca
consiga capturá-lo e que os quase invisíveis prejudicados por suas sacanagens se lasquem busquem paz interior em outros
territórios.
Foi assim que minha
monstrinha interior quase levanta e bate palmas para O Lobo de Wall Street, do fantástico Martin Scorsese. O filme, lançado em 2013, nos apresenta Jordan Belfort (Leonardo
Di Caprio), um corretor da bolsa de valores que perde o emprego
durante o Black Monday e ressurge
da derrota, com a necessária boa lábia de quem vive da especulação. Erguendo a
Stratt Oakmont, uma empresa que vende
ações de quase nenhum valor para os ricaços dos Estados Unidos, Jordan passa a fazer fortuna e prover seus funcionários, ambiciosos corretores, com muito sexo, drogas e toda aquela energia vicking circulante. Tudo para aliviar a tensão
dos que lidavam com milhões de dólares diariamente, sem contar com a tensão extra do próprio Jordan: ser perseguido constantemente por um agente do FBI. E, confesso:
cada olé que Jordan desviava do policial, um
sorriso incontido despontava no meu rosto.
Antes de divagar demais na
história e terminar contando o fim – o que, juro, não vai acontecer – voltemos
ao ponto onde começamos a discussão. O cara é um ladrão, sacana, traidor,
machista, calculista. Não tem
nenhuma motivação superior, nenhuma boa vontade por trás, nem mesmo fazer justiça, ou uma vingancinha de leve. É só ambição, paixão pelo jogo e
garantia de diversão diária. Com
exceção das cenas impróprias para menores de 18, lembrou-me muito, por exemplo,
o anti-herói d'O Capital (também lançado em 2013), de Constantin Costa-Gravras. No longa baseado em um
livro homônimo do francês Stéphane Osmont, o
bancário Marc Tolrneuil (Gad
Elmaleh) é antes um decide dar a volta por cima e dominar o
sistema (am ram), ou melhor, tornar-se presidente de uma das maiores
instituições bancárias da Europa. Parece
que ele é um cara mais ou menos íntegro, só que não: elabora esquemas
sofisticados para tirar dos pobres e dar aos ricos, inventa malabarismos
malucos desarticulando trabalhadores, enquanto os demite em massa. Em O Corte, outro filme de
Costa-Gravas, o anti-herói adota medidas ainda mais extremas. Bruno (José
Garcia), um desempregado que quer se tornar executivo de uma empresa de papel,
decide destruir seus possíveis concorrentes de uma forma improvável: matando-os.
Ele se torna um serial killer de quinta categoria,
e as situações inusitadas nos
trazem uma pitada de esperança misturada
com humor trágico e surreal.
Lógico, para além de algumas semelhanças contextuais – capital global financeiro, concentração de renda e poder, crises e reinvenções do capitalismo, e o velho f*da-se a quem não for 'esperto o bastante'- há motivações para que as empatias nos personagens sejam tão divergentes: os filmes de Costa-Gravas estão muito mais para Marx, trazem o tom das irradiações do sistema, oferecem pequenas aparições sensibilizantes da realidade – um tio comunista aqui, um garçom humanista ali- que nos fazem crer na humanidade e em uma possível redenção dos protagonistas. Já o Lobo de Wall Street é mais focado numa 'teoria dos jogos', tudo depende de seu raciocínio brilhante de antecipar o que pode acontecer. E isso nos ilude. Naquele mundinho ali, a gente quer que ele ganhe, que ele se dê bem!
Lógico, para além de algumas semelhanças contextuais – capital global financeiro, concentração de renda e poder, crises e reinvenções do capitalismo, e o velho f*da-se a quem não for 'esperto o bastante'- há motivações para que as empatias nos personagens sejam tão divergentes: os filmes de Costa-Gravas estão muito mais para Marx, trazem o tom das irradiações do sistema, oferecem pequenas aparições sensibilizantes da realidade – um tio comunista aqui, um garçom humanista ali- que nos fazem crer na humanidade e em uma possível redenção dos protagonistas. Já o Lobo de Wall Street é mais focado numa 'teoria dos jogos', tudo depende de seu raciocínio brilhante de antecipar o que pode acontecer. E isso nos ilude. Naquele mundinho ali, a gente quer que ele ganhe, que ele se dê bem!
Então de onde vem todo esse
apreço por nosso amado outsider? Arrisco-me a dar uns chutes, quase que
pedindo eu mesma redenção (até porque né? não é porque acho a
imponência do Darth Vader um charme que vou sair matando jedis por aí ou querer
me tornar uma imperialista da galáxia). E
é interessante quando a gente percebe que, aqui e ali, há algo de comum entre
Jordan e outros personagens políticos amorais que acabamos torcendo a
favor.
1 – Os caras
são gênios
E quando falo dos caras, antes de tudo, falo do próprio Scorsese.
Daí que vem a reboque: o roteiro, os
diálogos, a atuação de Leonardo Di Caprio que, de verdade,
chegou lá e impressionou! Por fim, chegamos mesmo no personagem: Jordan é um estrategista nato. Ele extrapola, tem humor
perverso e respostas sagazes. Acompanhar seus planos
empreendidos desde o início, e as conversas de derrubar dragão, faz com que nos
sintamos mais cúmplices do que juízes.
2 – Ele é apaixonado
Poucas características
envolvem tanto a gente como a paixão. Quando o indivíduo em questão é um
apaixonado – seja por uma causa ou um ideal ou um projeto – é inevitável
que toda essa empolgação nos contagie. Jordan está sempre vibrante,
ativo, em movimento. Chega
gritando e sai dançando. Se
brincar, te puxa junto para rodopiar em seu iate e você sai de lá sem sequer o dinheiro do vale
transporte, porque o trocou por ações em alguma empresa que só existe no
desenho dos Ursinhos Carinhosos.
3 – Segura que ele vai cair!
Ah, não, espera...
O protagonista do Lobo de
Wall Street está sempre por um triz. E se alguém está na beira do abismo, qual
o impulso maior que a gente tem? Gritar pelo susto ou correr para segurá-lo. Só
que até para isso Jordan traz uma surpresinha. Sendo bregamente metafórica para
não ser spoiler: ele pode estar caindo, mas certeza que tem um paraquedas
escondido em algum lugar.
4- O Robin Hood distorcido
- O cara é esforçado, não
podemos negar.
- Aparentemente só rouba dos ricos, o que lhe faz receber o apelido de
Robin Hood às avessas (diferente do Marc, em O Capital, que em cena célebre,
anuncia para os executivos sob aplausos: 'Meus amigos, sou seu Robin Hood
moderno. Continuarei roubando dos pobres para dar aos ricos'.)
5- Os toques de empatia
- Além do mais, Jordan é calculista (valeu cocaína!), mas não frio. Quente
e caloroso até demais. Por vezes traz
um agrado aqui e ali, mas sempre
aos seus. Chega até mesmo a salvar um amigo em uma hora muito improvável.
O lance é que seus momentos
de boa vontade fazem com que forcemos a barra um pouco para auto argumentar que
ele -não é tão pilantra assim,
vai.
Só que ele é, sim. E por mais que queiramos ser misericordiosos,
empáticos, com personagens malandrinhos,
o filme de repente acaba
e ainda seremos os que têm de
pegar o metrô (entendedores
entenderão).
Assista ao trailer de O Lobo de Wall Street