As Bicicletas de Belleville


Um conselho para os admiradores – e também não – admiradores – da sétima arte: se quiserem se emocionar assistam à animação “As Bicicletas de Belleville”, de Sylvain Chomet; garanto que ninguém vai sentir falta de muitas palavras para deixar umas lágrimas deslizarem pelo rosto.
As Bicicletas de Belleville conta a história de um garotinho muito triste que é adotado por uma senhora idosa chamada “Madame Souza”. O nome do menino é “Champion” – campeão em francês –, e vive seus dias preso a uma melancolia desencantadora. Madame Souza faz de tudo para alegrá – lo, mas ele sempre demonstra desinteresse pelas prendas apresentadas pela boa velhinha, a exemplo de um cachorro, “Bruno”.

Após muitas teimosas tentativas, Madame Souza descobre que Champion tem um forte interesse por bicicletas, e dá uma ao menino. A partir de então, a entusiasmada senhora submete o garoto a uma árdua maratona de treinamentos, até que ele – já crescido – se torna um grande ciclista e chega a participar de uma importante competição, a Tour de France. É justamente nesse evento que Champion e outros dois ciclistas são seqüestrados por uns excêntricos sujeitos trajados de preto. Madame Souza, dando conta do fato, empreende uma busca arriscada – alucinante pelo jovem, e para isso, conta com a ajuda do obeso cachorro Bruno e das “Trigêmeas de Belleville”, que faziam sucesso nos cabarets na década de 30, entoando belíssimas e animadas canções.
Como fora escrito no parágrafo anterior, não haverá necessidade de muitas palavras para encantar/emocionar ao telespectador, pois sendo o filme pobre de muitas palavras, é bastante rico em ensinamentos e poesia nos gestos dos personagens. O próprio fato de o garoto ser chamado Champion já chama a atenção. O menino é pobre materialmente e demonstra uma sequidão interior causada, provavelmente, pela falta de carinho recebido daqueles que vieram antes de Madame Souza. Mesmo assim, ele é tratado por campeão, e a boa senhora faz de tudo para que ele se supere a cada dia e realize os seus sonhos.
A animação mostra um aspecto muito interessante, que é justamente a tentativa de negação daquilo imposto pela sociedade capitalista unidimensional: enquanto o mercado e suas leis jogam as pessoas já “não – produtivas” para as beiradas sociais, Madame Souza e as Trigêmeas de Belleville apontam que o ser humano é muito mais do que aquilo que o Capitalismo sustenta; ele é capaz de amar, de fazer arte, de ensinar, enfim, de ser querido não pelo tanto que produz, mas pelo o que é. Numa sociedade marcada pelo consumismo, como a de Belleville, em que tudo gira em torno do “ter mais” para parecer “ser mais”, as quatro aventureiras se preocupam em tirar Champion das garras daqueles que querem fazê – lo mera peça de uma engrenagem de fazer dinheiro.
O filme é um elogio aos avós. Tanto é que Sylvain Chomet dedica-o aos seus parentes. Ali os idosos não são vistos como operários imprestáveis, mas como pessoas de sabedoria acumulada, abertos a mostrarem aos mais novos a importância de romper com os valores de uma sociedade tecnicista e excludente.
Eu lembrei da minha avó, e de algumas lições tidas por irracionais pela nossa sociedade esquizofrênica, como repartir um ovo de codorna para 6 pessoas (!). Ao escutar a história (com h) eu penso que o ato foi mais simbólico do que provedor: o que vale é fazer o outro sentir – se parte da roda, valorizado e estimado acima de qualquer coisa. Foi isso o que Madame Souza e as Trigêmeas de Belleville fizeram, é isso o que os avós comumente fazem.

Charles dos Santos
Texto em PDF para download, clique em: http://bit.ly/avpMdF
Assista ao trailer:

Buena Pregunta!

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