Existem imposições compartilhadas por todos nós como “intransponíveis”. Existem condutas conservadoras passíveis de fácil perpetuação. Mas, por outro lado, há aqueles que não se contentam com as respostas. Aqueles que dissecam as perguntas. Os verdadeiros “homens da história”. Um deles foi Vivien Thomas. E sua trajetória, baseada em fatos reais, será aqui resumidamente descrita a partir da perspectiva oferecida pelo filme “Something The Lord Made” (“Quase Deuses”), do diretor Joseph Sargent e do roteirista Peter Silverman, bem como a de seu companheiro nos grandes feitos, que marcaram a história da medicina em todo o mundo, o Dr. Alfred Blalock.
Diferentemente das produções convencionais de reconstrução de acontecimentos históricos reais, o filme “Quase Deuses” não se limita a nuclealizar um aspecto e reificá-lo.
Muito pelo contrário. A obra se dinamiza a identificar as deficiências na relacionabilidade humana, que variam quanto a preconceito de cor, gênero, formação educacional etc., e num contexto específico, poderiam causar maiores danos ao desenvolvimento civilizatório, não fosse a magnitude de certas almas, a grandeza, por nascença, de quem foi criado para protagonizar mutações, para revolucionalizar. Almas que, nesta ocasião, cruzaram o caminho umas das outras, justamente para desconstruir o “imutável”, o “intocável”.
O Dr. Alfred Blalock, nascido em 1899, sobrinho-bisneto de Jefferson Davis, o Presidente da Confederação de Medicina, era um médico conceituado, especialmente pelo seu último grande feito, a saber, o desenvolvimento da técnica do “Choque Povolêmico”. Mas, por sua vez, não poderia imaginar que realizaria um dos procedimentos cirúrgicos mais difíceis da medicina até aquele momento e que poria abaixo uma espécie de “bíblia dos médicos”. No entanto, este não era um feito para um só homem. Só não poderia imaginar também que aquele que dividiria com ele o “palco daquele espetáculo” era um negro bem magrinho, nascido em 1910, originário de Nashiville, sem educação formal alguma, de nome feminino, Vivien Thomas, pelo fato da mãe pensar que daria a luz a uma menina, e que desde os 12 anos de idade trabalhava como assistente de carpinteiro.
Muito pelo contrário. A obra se dinamiza a identificar as deficiências na relacionabilidade humana, que variam quanto a preconceito de cor, gênero, formação educacional etc., e num contexto específico, poderiam causar maiores danos ao desenvolvimento civilizatório, não fosse a magnitude de certas almas, a grandeza, por nascença, de quem foi criado para protagonizar mutações, para revolucionalizar. Almas que, nesta ocasião, cruzaram o caminho umas das outras, justamente para desconstruir o “imutável”, o “intocável”.
O Dr. Alfred Blalock, nascido em 1899, sobrinho-bisneto de Jefferson Davis, o Presidente da Confederação de Medicina, era um médico conceituado, especialmente pelo seu último grande feito, a saber, o desenvolvimento da técnica do “Choque Povolêmico”. Mas, por sua vez, não poderia imaginar que realizaria um dos procedimentos cirúrgicos mais difíceis da medicina até aquele momento e que poria abaixo uma espécie de “bíblia dos médicos”. No entanto, este não era um feito para um só homem. Só não poderia imaginar também que aquele que dividiria com ele o “palco daquele espetáculo” era um negro bem magrinho, nascido em 1910, originário de Nashiville, sem educação formal alguma, de nome feminino, Vivien Thomas, pelo fato da mãe pensar que daria a luz a uma menina, e que desde os 12 anos de idade trabalhava como assistente de carpinteiro.
Mas, como o mesmo Vivien Thomas poderia sonhar em fazer medicina? Ele nem podia entrar na Universidade, especialmente por perder todas as suas economias que afundaram junto com o banco de sua terra natal. Ele era negro, em plena década de 40/50 nos Estados Unidos, onde as pancadas da segregação eram ainda mais fortes. Como ele poderia trabalhar em um laboratório, se nem sabia o que era um cardiógrafo? Na verdade, são questionamentos assustadores para fazer desistir o mais confiante. Para quem acredita em predestinação, vos digo que ele era predestinado a realizar um feito que alteraria a visão médica em todo o planeta. Para os que acreditam em qualquer outra forma de explicação, não tenho mais respostas. Ele o fez. Não era um negro lutando apenas contra a segregação racial, mas também um homem sem educação formal no meio de doutores. Mesmo assim o fez. Não sabia utilizar os instrumentos elaborados pela medicina para facilitação das cirurgias, então elaborou os seus próprios e, diga-se de passagem, ainda mais sofisticados. Sabe o cardiógrafo a pouco citado? Ele nem precisou. Registrava todos os passos do procedimento com lápis e papel. Como não frequentava a Universidade, leu os livros que precisava ler, sem instrução alguma, nos pequenos intervalos de seu trabalho de faxineiro do laboratório do Dr. Blalock, onde tratavam cães como cobaias, para buscar curas em algumas doenças semelhantes as dos seres humanos.
Após o inicio de sua parceria, ou melhor, sua subordinação ao Dr. Blalock, nos anos de 1940, Vivien muda-se de Nashiville em 1943, deixando para trás familiares e amigos, além de sua comunidade negra proeminente, onde não era tão difícil ver um negro se tornar médico, para passar a vivenciar uma realidade completamente distinta e bem mais desanimadora. Passando a viver em Baltimore, com a esposa Clara e filhos, num apartamento apertado e desajeitado, Vivien pagava o aluguel mais com favores do que propriamente dinheiro. Suas condições precárias de vida, seu salário bem abaixo do mínimo, contrastavam com o sucesso de seu já “amigo” e explorador Dr. Blalock que, no mesmo ano de 1943, foi nomeado o novo Presidente do Departamento de Cirurgia do Hospital número um da América, o Hospital Johns Hopkins, gozando de ainda mais influência no meio.
Como era assustador para Baltimore ver um negro de jaleco branco. Justamente a cidade onde o mercado se subdividia em: serviços para negros e para brancos. Sem falar dos banheiros, direcionados ao tipo de gênero e da cor de cada indivíduo. Talvez o mais assustador fosse conceber que um negro superaria uma escrita médica até então intocável, sem mesmo nunca ter sido médico, mesmo atendendo num laboratório para cães.
Um dos problemas que mais intrigavam a medicina naquela época, por seu caráter incurável, era a chamada “Tetralogia de Faloma” ou se preferirem “A Síndrome do Bebê Azul”. Seus sintomas denotam sufocamento nas crianças, onde o coração falha em suas funções mais básicas devido ao bloqueio arterial pulmonar. O Dr. Blalock surpreende ao indicar que o problema poderia sim ser resolvido, mas para isso, uma lei da medicina teria que ser esquecida, a de que, por nenhuma circunstância, o profissional da área poderia tocar no coração. “Não toquem no coração” (NOLITANGERE).
Finalmente, após um tempo de fracassos com experimentos cirúrgicos em cães do mesmo problema, Vivien e Blalock estavam prontos para utilizar suas técnicas em seres humanos. Era naquele lindo bebê, de pais desesperados, que os dois teriam que agir, mesmo com a desaprovação geral do corpo médico do hospital, elaborando uma rápida intervenção cirúrgica, na tentativa de redirecionar uma das veias ao coração, para garantir o fluxo normal da corrente sanguínea. O cão estava sendo substituído pelo humano, mas seu caráter experimental ainda continuava o mesmo.
E eis que finalmente conseguiram. Vivien Thomas estava lá. Não era doutor, não passava de um simples assistente de laboratório, mas estava lá. Seu aparato instrumental inventado foi utilizado. Mesmo sem reconhecimento algum. Mesmo sendo esquecido por seu próprio companheiro Blalock, quando nem sequer o citou em seu discurso de agradecimentos, numa cerimônia de comemoração pelo ato histórico. E na mesma cerimônia, lá estava Vivien. Com uma roupa de funcionário do local, escondido por detrás das plantas. Completamente esquecido.
Só em 1964, mesmo ano da morte do Dr. Alfred Blalock, Vivien Thomas, que jamais havia frequentado uma Universidade, foi homenageado por sua importância no acontecido, além de todos os anos de serviços prestados ao hospital Johns Hopkins, recebendo o título de doutor honorário e sendo nomeado Diretor de Laboratório do mesmo hospital.
O Dr. Vivien Thomas faleceu em 1985. Sua trajetória profissional será lembrada como aquela que possibilitou o início das cirurgias cardíacas em todo o mundo, mas também como prova fascinante da existência de um humilde homem que ultrapassou, ao lado da esposa, as barreiras das condições de interacionabilidade daquele contexto, provando toda a ineficácia de suas funcionalidades. Sua cor ou nível de formação escolar são ofuscados quando comparados a sua quase que artística forma de manusear os equipamentos cirúrgicos, como por exemplo, ao segurar um bisturi, movimentando-o com precisão, como se seguisse o ritmo de uma “lenta canção”, fazendo-se valer de uma técnica bruta, apreendida na experiência da carpintaria. Não estou aqui, de forma alguma, defendendo a existência de uma predestinação inscrita nos códigos geneticamente compartilhados de Vivien, para que esse agisse como um gênio, mas, a partir desta minha breve explanação, procuro apenas deixar livre a reflexão do leitor sobre as condições desafiadoras vividas pelo auxiliar de laboratório. Entretanto, dou-lhes a seguinte linha de raciocínio: Um homem, com todas as suas limitações, muitas delas criadas por todo o restante do corpo social (especialmente no que diz respeito a sua cor de pele), conseguiu refuncionalizar algumas práticas da medicina e mesmo de forma rude alcançou resultados que as mais sofisticadas parafernálias médicas ainda não tinham alcançado. Quebrou o elo com um sistema conservador e o redirecionou. Este mesmo homem correu riscos. Mas se negou a prostrar-se. Burlou inesperadamente as leis mais “consistentes” da humanidade. Sua cor passou a ser insignificante, bem como a falta de uma educação formal, visto a grandeza de seus feitos. Vivien Thomas não apenas alavancou a ciência a outro patamar, como também desumanizou o homem, provando a existência de um lado “divino”. Como herói, Vivien nem precisou usar mascara para preservar sua identidade, pois ele nem era percebido. Como herói, ele nem precisou ser reconhecido para saber que fez parte do processo que salvou tantas vidas. Para realizar seu maior objetivo, Vivien tinha uma única opção, tornar-se um “Deus”. Como homem, superou-se ao quase conseguir, mas já era o bastante para se eternizar.
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