O Sobrevivente - Rescue Dawn


O filme Rescue Dawn (“O Sobrevivente”), lançado nos Estados Unidos em 2006, é uma adaptação baseada num documentário intitulado “Little Dieter Needs To Fly”, de Werner Herzog. O mesmo dirigiu o filme e foi responsável por seu roteiro repleto de altos e baixos. Lógico que, neste caso, com um filme baseado em fatos reais, desejar um roteiro melhor pode me fazer cair na armadilha de querer que o diretor tornasse um pouco mais “atrativo” aos olhos o que realmente aconteceu com aquele piloto em solo vietnamita, o que consequentemente atrairia o autor para o campo da espetacularização dos fatos.

Mas, sem me prolongar nessa discussão, é legitimo descrever, mesmo que resumidamente, o objetivo central do drama: em sua essência, o objetivo central é descrever a tentativa de sobrevivência de Dieter Dengler, um piloto de origem alemã, servindo a Marinha Americana na guerra do Vietnã. Atingido na asa esquerda, Dieter cai em campo vietnamita durante uma missão secreta de ataque a Laos e é capturado. O piloto organiza uma fuga do campo de concentração junto a um pequeno grupo de prisioneiros, buscando se sobressair não apenas dos “inimigos” em volta, mas especialmente das adversidades daquela vasta floresta.
Tentar a fuga poderia parecer a missão mais difícil para Dieter, especialmente pelo fato de que aquele campo de concentração possuía uma segurança bem administrada. Pelo dia, em campo fechado por bambu resistente, seis guardas, fortemente armados, se encarregavam de evitar qualquer ação ofensiva por parte dos seis prisioneiros. Por sua vez, pela noite, os mesmos prisioneiros eram algemados e tinham os pés presos por uma estrutura feita de madeira, utensílios que substituiriam a funcionalidade dos guardas que poderiam então descansar. Mas, se preferirmos nomear outro aspecto como o mais difícil para Dieter na caminhada pela sobrevivência, que tal indicarmos a falta de comida? A escassez de alimento estimulava os guardas laosianos a desistirem da manutenção do campo de concentração e a matar todos os prisioneiros, liberando-os por consequência a voltar as suas aldeias em busca de comida. Portanto, o tempo para organização e ação, por parte dos prisioneiros, era o menor possível. A fome era a única coisa em abundância por ali. Um dos prisioneiros veteranos guardava embalagens de bacon e feijão no alojamento, o que lhe conferia certa legitimidade de liderança por todos, principalmente por monopolizar o acesso aos maravilhosos cheiros que dizia ainda estarem vivos no papel. Não mais absurdo que isso era Dieter comemorar seu aniversário com os demais, brindando prosperidade com boas doses de larvas de insetos amassados.
São muitos os aspectos de adversidade que normalmente o “mocinho” deve enfrentar, especialmente em filmes deste gênero, portanto, poderíamos escolher milhares aqui. Até este momento, o filme não impressiona, e o drama pelo sofrimento dos protagonistas é tão contínuo que, ao invés de comoção, atraem para si uma essência verdadeiramente maçante. Mas, o que realmente vai para além dos efeitos explosivos da guerra e todo o “espetáculo” de sua produção, o que sobrepõe as debilitações de um corpo emagrecido e surrado pela corriqueira humilhação acionada pelos vietcongs, o que é digno de um debruçar mais apurado é a relação direta que o autor estimula de Dieter Dengler e os amigos que sua caminhada de sobrevivência conhece. Desta forma, como será cair em território hostil e perder por completo o contato com uma corporação a que se tinha tanta estima? Pilotos amigos, companheiros de profissão, irmãos de causa... Chamem do que acharem melhor! A verdade é que os risos, no início do filme, daquela turma de pilotos da marinha americana indicavam a ostentação de uma força maior que faria Dieter não desistir de fugir nos momentos onde a fraqueza era pico. Uma união que foge das características individualistas geralmente percebidas nos filmes americanos, onde um homem apenas se torna praticamente invencível na guerra, derrota todos os “vilões” e é endeusado pela corporação a que pertence (talvez isso não tenha ocorrido aqui pelo simples fato dessa trama refletir uma história real, sendo assim, Herzog, mesmo na mais intensa das vontades, não teve muita escolha.)
Só isso bastaria. Bastaria para compor o sabor do drama. Mas, no campo de concentração, Dieter conhece Duane, um prisioneiro veterano, tornando-se seu apoio, sua segurança, seu amigo. O conforto na confiança de uma corporação tão unida, agora se catalisa num corpo só: o de Duane. Durante a fuga ninguém cumpriu as funções previamente combinadas e tanto Dieter quanto Duane ficam sozinhos. Passam a enfrentar juntos todas as privações que a selva poderia oferecer. As forças são renovadas a cada helicóptero americano que voa baixo, mas não os vêem. E assim segue a trama. A característica visualmente cansativa incorporada ao sofrimento de Dieter, antes sozinho, agora se multiplica por dois, com o acréscimo de outro personagem na fuga, Duane. Até que, ao passar por uma aldeia vietnamita, Duane, abordado junto a Dieter pelos moradores, é decapitado. O mais impressionante a essa altura é que a aparente tranquilidade das cenas cria um espectador descrente em qualquer reviravolta, ou seja, o melhor amigo do piloto, aquele que houvera enfrentado tanto a seu lado, simplesmente é decapitado, sem ao menos uma trilha sonora antecedente para preparar quem antes provavelmente estava quase dormindo.
Então, indicar qual a adversidade mais intensa a qual o piloto teria superado para sobreviver, seria indicar a sua corrida para se afastar da loucura completa e manter-se psicologicamente apto a continuar tentando voltar para casa, onde houvera deixado uma noiva à espera. O que não afirma que ele conseguiu evitar a loucura parcial. Foram duas as ocasiões em que Dieter teve contato com o amigo morto, antes de ser avistado por dois helicópteros camaradas e reintegrado a base militar.
Logicamente que eu não poderia esquecer-se de ressaltar as já padronizadas “pitadas de nacionalismo exacerbado” dos americanos, principalmente em filmes deste gênero, que continuam “servindo” como ótimos justificadores da postura político-econômica norte-americana em algumas de suas relações conflituosas com outras nações. O diretor retrata com ênfase a oportunidade que Dieter possuiu de se livrar das constantes humilhações que vinha sendo alvo, mas, para isso, necessitava de assinar um documento, em mãos de um líder vietnamita, onde reconhecia os Estados Unidos como um país “politicamente incorreto”, ou seja, o “vilão” confesso daquela guerra. Mas, o piloto da marinha americana disse em alto e bom som, além de demonstrar uma firmeza inconfundível: “_Não! Eu amo os Estados Unidos! Foi aqui que realizei meu sonho de ser piloto... Não posso assinar de maneira alguma.” Reitero que Dieter é de origem alemã. Será realmente que foi essa a negociação? Exagera o personagem em representar uma fidelidade divina a causa e refutar tão veementemente a proposta? Bem, deixo de lado esta minha inquietação... Mas este aspecto do filme só vem a retratar que os Estados Unidos é um país “apaixonante” e que este sentido de nacionalismo e “dívida para com esta pátria” é algo tão comum, até entre os estrangeiros (mesmo que isso me pareça improvável.)
Depois disso, dizer que Dieter Dengler, na parte final do filme, come uma cobra viva para matar a fome parece-me um detalhe não tão importante e, a essa altura, não tão assustador.


Assista ao trailer:

Share this

Related Posts

Previous
Next Post »