Medos Públicos em Lugares Privados - A Incomunicabilidade Nossa De Cada Dia


Outro bom filme que recomendo aos amantes da boa produção cinematográfica é Coeurs (2006), do cineasta francês Alain Resnais. No Brasil, o filme foi chamado de Medos Privados em Lugares Públicos. Pelo o que tenho lido na internet e visto em outros meios de comunicação, Coeurs foi um dos filmes que ficou por mais tempo em cartaz em cinemas brasileiros: nada mais nada menos que 144 semanas seguidas. De acordo com as estatísticas, 130. 673 pessoas viram o filme de Resnais. Qual o segredo desse sucesso? 

É bem verdade que no Brasil são poucos os freqüentadores de cinema. Isso não é devido apenas ao fato de as pessoas não gostarem da sétima arte, até porque imagino que é difícil uma pessoa conhecer a “magia” do cinema e deixar que isso passe despercebido em sua vida. Conheço pessoas que foram uma ou duas vezes a uma sala de cinema e jamais esqueceram a experiência.

 Por outro lado, conheço pessoas que foram iniciadas recentemente nessa deslumbrante arte e já não conseguem viver sem reportar-se a ela de alguma forma. Muitas pessoas não vão ao cinema porque, simplesmente, não há salas de cinema onde moram. Mais: nem salas nem mostras de filme. Felizmente, algumas medidas têm sido tomadas nos últimos anos por instituições governamentais e não governamentais que ajudam a levar cinema de graça para pessoas que residem longe dos grandes centros urbanos. Ainda há muito o que fazer, mas os primeiros passos estão sendo dados.
Apesar do que fora exposto no parágrafo anterior, há filmes nacionais e internacionais que conseguem a proeza de levar um número considerável de pessoas ao cinema. Coeurs, como já fora mencionado, é um deles. O filme gira em torno de seis personagens: Thierry (André Dussollier), Gaëlle (Isabelle Carré), Charlotte (Sabine Azéma), Nicole (Laura Morante), Dan (Lambert Wilson) e Lionel (Pierre Ardit). As vidas de todos eles acabam se cruzando em lugares públicos ou privados de uma Paris fria, totalmente avessa à idéia predominante de que a capital francesa é a cidade do amor e do romantismo. O dia-a-dia de todos os personagens barra claramente essa noção. Em Paris as pessoas também são solitárias, também ficam sem se comunicarem (ou se comunicam de modo incompleto e incoerente), também querem alguém para dividir os sonhos e esperanças e têm dificuldades para achar.
Um dos aspectos que me chamaram a atenção no filme foi a ausência de comunicabilidade entre os indivíduos. Thierry, que trabalha vendendo e alugando imóveis, mal percebe Charlotte, sua simpática e dedicada secretária. Um e outro trocam poucas e curtas palavras no decorrer do dia, mesmo tendo que passar um longo tempo juntos. Nicole e seu noivo Dan não conseguem se entender. Ela o vê como um desocupado, alheio às necessidades de trabalhar e de ter uma estabilidade mínima que seja. Ele, por seu turno, a vê como uma problemática, incapaz de dialogar e compreender seus tantos problemas. Lionel e seu pai vivem na mesma casa, mas parecem estranhos um ao outro. No decorrer da estória fica evidente que não se gostam, entretanto Lionel cuida daquele senhor acamado porque sabe que outra pessoa não o faria. Gaëlle vive marcando encontros em sites de relacionamento, esperando um dia encontrar alguém que a complete e torne sua vida um pouco mais interessante.
O filme ajuda a refletir sobre algumas nuanças da vida moderna. Num mundo com grandes avanços na informática, na aviação, na telefonia etc., as pessoas ainda se sentem solitárias, ainda têm dificuldade para se comunicarem, para se entenderem. O ritmo de vida que homens e mulheres levam nos dias de hoje faz com que se afastem de pessoas importantes e que deixem de conversar, de saber como vão, como têm passado... o exemplo de Lionel nesse ponto é bastante emblemático: ele mal conversa com seu pai; um bom diálogo o ajudaria a compreender as razões pelas quais seu pai o rejeita, da mesma forma mostraria suas queixas e criticas. Os dois, no entanto, seguem sem se conhecerem; vivendo na mesma casa, mas sem se conhecerem.
Coeurs é um grande feito de Alain Resnais, e o que fora escrito aqui é apenas uma pequena (minúscula) parte das riquezas que o filme pode oferecer. Procurei destacar a incomunicabilidade dos personagens porque a distância, ironicamente, é verdade, tem marcado as vidas de muitas pessoas que “desfrutam” dos tantos benefícios da modernidade tardia – como coloca Anthony Giddens. Mesmo com Orkut, MSN, celular etc., os indivíduos ainda têm dificuldade em achar tempo para perceberem os outros – perceberem não superficialmente, mas com interesse, com respeito – ou ainda, para dizerem o que pensam, o que sentem, o que esperam uns dos outros e da vida.

Charles dos Santos

Buena Pregunta!

Share this

Related Posts

Previous
Next Post »