Quando nos dispomos a assistir produções filmológicas que enfocam o cenário da segunda grande guerra do século XX, quase sempre nos defrontamos com fatos internalizados no pensamento ocidental, que se fixam, muitas vezes, através da própria indústria imagética. De fato, o grande público de cinema, partindo de sua totalidade, comumente se caracteriza por adotar uma postura “aliada”, o que promovera, dentre outros aspectos, uma generalização do valor “cultura alemã” e, conseqüentemente, do povo alemão. O filme Operação Valquíria (Valkyrie, em Inglês, Walküre, em Alemão), protagonizado pelo ator Tom Cruise, dirigido por Bryan Singer, roteirizado por Chrstopher McQuarrie e Nathan Alexander, traz a tona esta temática. Torna-se, na realidade, baseando-se em fatos reais, uma tentativa de desmistificação dos termos, ao passo que destaca um herói alemão dentro de um conflito individual, sob uma ambivalência referente ao “obedecer a ordens” ou defender os direitos do povo daquele país, mas, sobretudo, exalta a insatisfação da frente popular alemã com o sistema autoritário instituído, o qual promulgara e permitira aos olhos do mundo direcionar-se ojerizamente a Alemanha.
A personagem principal, Claus Von Stauffenberg, coronel do exército alemão, luta não só contra um regime ditatorial e sua conduta que deprecia a cultura da Alemanha, mas também contra algo mais intrínseco e arraigado: a ideologia nacional. Ora, se torna cada vez mais presente o combate a uma crença de um “Deus Humano” chamado Adolf Hitler (David Bamber) – Fürher do reich e do povo alemão, senhor supremo das forças armadas -, que despertara, além do medo por intermédio da coação física, o estabelecimento, sobretudo, na mentalidade dos homens e mulheres alemães, o sentido de submissão tendo em vista a força de um poder centralizado. A identificada autocracia daquele país do centro da Europa se vê banhada pelo sangue de uma “religião” hitlerista, que motiva a fobia social, sendo constantemente rotulada de “sádica” durante boa parte do século XX.
No entanto, caros leitores, o que o filme trata mais especificamente é aquilo que passara tão exaustivamente despercebido aos nossos olhos práticos como admiradoras da História e à visão utilitarista dos investimentos Hollywoodianos (ou não, necessariamente): as sucessivas conspirações contra o regime de Hitler dentro do próprio território alemão, efetivadas por alemães legítimos. Aprofundemo-nos mais afincamente no assunto, tratando particularmente do Ato conhecido como atentado de 20 de julho, o qual o longa-metragem explana.
Tudo tem início na 10ª divisão Panzer alemã, situada no país africano da Tunísia. O coronel Stauffenberg, insatisfeito – como muitos outros componentes do exército Teutônico – com os arbitrários progressos do governo do Fürher, relata em um diário particular a precariedade em que se encontra seu agrupamento. Ademais, destrincha toda a atividade nazista até o momento: “Torturar, destruir e matar”. Emerge em seu âmago, a partir disso, um sentimento nacionalista, que descarta quaisquer possibilidades de um ditador no poder, que manche o nome do exército e da cultura germânica. Não obstante uma infinidade de comandantes partilhe de seus ideais, são poucos os que possuem coragem de encarar o governo de Hitler como inimigo maior da nação Alemã. Cresce cada vez mais o senso de revolução política dentre todos que acompanham as ações do comandante supremo. Neste momento, após uma tentativa desesperada partindo do coronel Stauffenberg de convencer o general responsável pelo pelotão a retirar as tropas do norte da áfrica mesmo sem uma ordenação superior, a 10ª divisão Panzer é atacada por tropas aliadas, resultando na perda da mão direita, de dois dedos da mão esquerda e o olho esquerdo do coronel, bem como da perda de uma boa parte do agrupamento.
Em 1943, no Front alemão a leste da Europa, mais precisamente em Smolenski, na Rússia, se consolida a primeira tentativa de ataque a Hitler visualizada no registro filmográfico. Em meio a uma das várias visitas formais de seus diversos comandantes militares naquela base, um ensaio conspirativo se articula por um grupo de extrema esquerda do exército da Alemanha. A este grupo se vinculará o coronel Stauffenberg posteriormente. O atentado se daria por explosivos dentro de uma garrafa de vinho, suposto presente do Major-general Henning Von Tresckow (Kenneth Branagh) para o Coronel Stieff, em que tal artefato iria ser transportado no próprio avião particular do ditador, uma aflita tentativa que acaba por fracassar.
O coronel Stauffenberg adentra no grupo opositor-político como substituto de Oster, que fora detido. Inicia-se, a partir daí, uma das maiores investidas já vistas contra o comandante supremo da Alemanha. No entanto, a preocupação do Coronel com sua família caso o plano fracasse se faz evidente. Antes, para tentar se convencer politicamente considerando esse fator, visita umas das reuniões dos insurgentes. Presencia um ato daqueles mais próximos de Hitler, que detêm do “respeito do povo e do exército”. Mas, Stauffenberg interpreta esse valor “respeito”, na realidade, como “popularidade”, e que estes homens, cérebros do movimento reformador, desconsideram o juramento e a ideologia seguida pelos soldados fiéis ao Fürher, caso haja a queda do despótico. Isto é, nenhuma eventual “popularidade” seria capaz de convencer os militares da SS (organização paramilitar ligada ao partido nazista) de que haveria uma reformulação na ordem instituída, ora “o juramento não morrerá com Hitler”.
Neste sentido, o coronel Stauffenberg destaca a chamada Operação Valquíria, originalmente pensada pelo Estado alemão como plano de contigência contra revoltas internas caso haja a morte do comandante supremo, plano este abastecido pela reserva militar em todo o país e reinterpretado pela visão do nosso protagonista: “E se a SS der um golpe de Estado?”. Obviamente, o golpe militar não seria autêntico, mas sim maquilado. Logo, isso colocaria as forças nazistas umas contra as outras, sem que elas tivessem a mínima noção disso, enquanto as tropas esquerdistas tomariam o poder e introduziria um novo regime político em meio ao caos. Para que isso se efetivasse, porém, seria necessário que Hitler estivesse morto. Assim, a SS seria um peculiar alvo de especulação de um suposto golpe militar. Além disso, seria fundamentalmente importante redigir novamente o documento “Valquíria” para que se possibilitasse a conspiração, dessa forma necessitando de uma assinatura do Fürher para legitimar tal ordenação. Ademais, a colaboração do general Friedrich Fromm (Tom Wilkinson), comandante da reserva militar, seria indispensável, ao passo que somente o alto comando teria patente suficiente para a ativação da reserva e, conseqüentemente, de Valquíria. Logo, a influência ideológica dirigida aos militares seria, então, de forma verbal, escrita e constitucional.
O fracasso da operação Valquíria, porém, talvez se estruture através do malogro de mais uma tentativa de assassinato ao Fürher, efetuada pelo coronel Stauffenberg em pessoa, em 1944. Como já se tinha a morte de Hitler em mente para que se colocasse em prática a ativação do plano conspiratório e a mobilização da SS e, por conseguinte, da reserva militar, surge aí um ensaio desesperado de destituição do regime nazista. Todavia, Stauffenberg necessitava da assinatura de Hitler no documento, para que a mudança constitucional se construísse. O coronel levara dois malotes carregados de explosivos para uma nova reunião com Adolf Hitler, que seriam ativados após a assinatura. Num primeiro encontro com o ditador, optou estrategicamente por não executar a tarefa; num momento posterior, tentou deixar os malotes próximos a Hitler, se evadindo do local (conhecido como “Toca do Lobo”, próximo da então Rastenburg, por muitos considerado o QG do comandante supremo) com a desculpa de dar um telefonema. A explosão aconteceu, mas o Fürher saiu apenas com ferimentos leves do atentado, protegido por uma imensa mesa de madeira. No entanto, a falsa informação da morte de Hitler corre toda a Alemanha, e Stauffenberg fica certo do sucesso da investida. Precisamente, a reserva militar, conduzida pelo general Fromm, entra em ação para tomar o poder, mas não contava com a incômoda disposição da verdade: Hitler não estava morto. A SS prende praticamente todos os envolvidos na conspiração, entre eles o próprio General Fromm – que, por sua vez, denunciara o movimento conspirador -, os generais Friedrich Olbricht (Bill Nighy), Hoepner, Erwin Von Witzleben (David Schofield), o Coronel Mertz Von Quirnheim (Christian Berkel) e o Tenente Werner Von Haeften (Jamie Parker). O coronel Claus Von Stauffenberg foi fuzilado em 21 de julho de 1944, em Berlin, antes exprimindo as últimas entonações patrióticas: “Vida Longa para a sagrada Alemanha!"
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