Kick-Ass


Desde sua noção do que se refere “vida social”, vai me dizer que jamais, ao menos por um instante, pensou em ser capaz de atingir uma espécie de “nível” superior ao seu, se transmutar em um ser mil vezes mais forte, capaz de transformar a realidade em volta? Com os estudos, trabalho, filhos, contas para pagar, poucas horas a dormir, vai me dizer que nunca pensou em se transformar em três, em quatro, em cinco? E quanto à desigualdade no mundo? Jamais pensou em melhorar o lar onde habita? É por isso, caro leitor, que estou aqui para apresentar uma novidade nos cinemas super-financiados do mundo, algo que pode tocar profunda e intensamente em alguns de seus anseios mais protegidos. Aqui, não vou retornar ao universo extremamente apelativo da “ficção FICÇÃO”, mas, desta vez, a “ficção” nos oferece um conteúdo concreto. Nada de poderes, apenas carne, sangue e suor.

O longa “Kick-Ass” não tem muito de atrativo para quem o enxerga de fora, para falar a verdade, parece até absurdo (a começar pelo título de divulgação). Mas, traz em seu arsenal de marketing a participação de um dos atores mais renomados de Hollywood. Nicolas Cage. Além, é claro, do co-produtor Brad Pitt que dessa vez ficou por detrás das cortinas. O filme foi remodelado para cinema após ter sua essência explorada numa revista em quadrinhos do mesmo nome, dos autores Mark Millar e John Romita Jr. Nas telonas, foi dirigido por Matthew Vaughn e roteirizado por Jane Goldman.

O filme conta a história do jovem Dave Lizewski que, como todo jovem nerd, desempenha atividades normais, sofre com a invisibilidade na escola, tem amigos nerds e sente atração pela professora. Entretanto, o diferencial no jovem Dave é a maneira como se posiciona frente a algumas situações da vida “normal” (normal por ser corrida, desvalorizante e violenta, como a vida em toda cidade grande). A realidade da dor, para Dave (grande fã de quadrinhos e heróis) não tem nada de parecido com o que encontra no Homem-Aranha ou Batman. Naquela sua vida, a dor doía, o desejo atormentava e a paz era, essa sim, a principal ficção. Foi quando que, num de seus dias comuns, Dave perguntou aos amigos fiéis: “Como é possível que no meio de tanta gente fã de heróis, ninguém tenha tentado ser um?”. Foi neste instante que percebeu que caberia a ele ser esse louco ousado e buscar, da sua forma única e desajeitada, mudar o mundo.
Para ser comercializado, um filme deve ter uma categoria, seja ela drama, ação, aventura etc. A perceber pela frase de marketing, o filme é de comédia (“Absurdamente Engraçado” – Empire). Mas, se retirarmos de seu corpo um fragmento que seja, de cada vez, podemos materializar uma categoria em cada grau específico. O filme do herói Kick-Ass é engraçado. O filme pode ser de ação, já que exagera surpreendentemente na violação daquilo que já pudera ser esperado pelo cinéfilo, ou seja, ao invés de efeitos banais, ele contém cenas de ação em perfeitas sincronias no que se refere aos golpes, chegando a se gerar inúmeras críticas nos Estados Unidos pela quantidade de sangue explícito. Podemos caracterizar o longa também como drama, pois Kick-Ass é um cara normal e, por ser um cara normal, não possui poderes ou habilidades excepcionais. Vive a apanhar... Foi esfaqueado, pisoteado, atropelado... Fazer o que? São os riscos que naturalmente se corre ao tentar enfrentar sozinho os inimigos. A diferença é que tais riscos aparecem num filme apenas de forma rara... Muito rara. Aqui, tentar salvar o mundo custa caro!
O herói Kick-Ass não poderia, sendo normal, lutar sozinho contra o mal. Foi aí que no meio do caminho encontrou os demais personagens da alteração no rumo do fime que, até agora, era recheado de desacertos por parte do mocinho magrelo: Big Daddy (Nicolas Cage) e sua filha Hit Girl, de apenas 11 anos, mas de desempenho fenomenal. Juntos, iniciaram uma doentia busca para exterminar o vilão Frank D'Amico, motivo primeiro dessa união. Confesso que foi um dos filmes mais diferentes que já vi! Diferente do convencional, dos padrões do cinema. Não que não tenha um mocinho central e uma jovem moça que deverá cair em seus braços ao fim (ninguém é perfeito!), mas, creio que seja difícil ver em outra trama um pai que treina sua filha para ser uma heroina assassina, atirando em seu peito (protegido por um colete). Creio também que não vai se ver a mesma menia de 11 anos de idade matar a sangue frio cerca de 12 homens numa sala, utilizando canivetes, armas de siginificativa importância e granadas. Unidos contra D’Amico, a moderna Liga de Heróis jamais foi tão verdadeira, jamais foi tão feita de carne e tão sangrenta. Mas não se esqueça, caro leitor, ainda estamos falando de um filme de comédia.
Pouco importa o que aconteceu no final. Aliás, é o que estamos acostumados a fazer no blog, ou seja, recolher um aspecto unico para discorrer um pensamento, sem qualquer pressão de abordar todo o filme. Se assim fosse, não daria muito certo. Quem assistiria já sabendo do final?
Assim sendo, o que para mim chama atenção, além de toda a parafernália nucler que uma criança foi acostumada a usar, pela necessidade de vingança do pai (Big Daddy), é a forma de construção do herói. Não partiu de uma quase que “obrigação” por se possuir poderes. Não partiu de uma falsa moralidade, com altas doses de status (”se sou herói, posso ter o que quero, todos me adoram!”). Mas sim a necessidade. Necessidade de se ajudar um próximo desconhecido. Nessecidade de dar a si e aos outros um objetivo para viver. O humano que se veste de herói, assim como Dave, somos nós mesmos. Assim como vários de nós, Dave foi assaltado, muitas vezes junto com seus amigos inseparáveis. Dave, como muitos de nós, foi injustiçado e marginalizado. Ele, de um dia pro outro, resolveu comprar uma roupa horrível de mergulho verde e expôr a raiva que sentia por tanto sofrimento (fortalecido com a morte ridiculamente simples da mãe, na cozinha), coisa que não fazemos. Não estou dizendo que deveríamos quebrar com a alienação imposta e sair por aí batendo nos outros, muito pelo contrário. Se você viu o filme, então deve saber bem que Kick-Ass não dava o primeiro soco (tudo bem que ele era um fracote), mas sempre usava a voz para impor frases de ordem, como: “Deixe-a em paz”, “É melhor ir embora e esquecemos isso”. Aí sim, depois de não ter dado certo, ele apanhava. Dave era um protótipo de homem correto (mesmo se masturbando para a professora de inglês ou se fingindo de gay para se aproximar de seu amor) e abriu portas para o surgimento de outros heróis na cidade. Dave tornou o “fazer o bem” em moda e, sendo moda, espalhou essa necessidade dentre os outros.
Kick-Ass enfrentou seus piores medos para fazer o bem, mesmo sem saber lutar. Usava dois bastões para afastar o inimigo. Mas só queria fazer o bem, independentemente do caso que fosse (a exemplo de procura por um gatinho desaparecido). Ele espelhou a todos e é um ótimo exemplo, anexo ao filme, do “homem símbolo”. Aquele que despertou o “porque não?”
O sangue todo do filme dificilmante é retirado por Dave (exceto quando tiram o dele). E, absurdo é assistir um filme assim e não se divertir com a coragem. É impossível não fazer uma auto-crítica e olhar o como fazemos pouco. Dave resolveu fazer alguma coisa e se tornar o seu maior ídolo, mesmo sabendo que não era de ferro, apanhar parecia pouco perto dos seus propósitos.
Wanderson J. F. Gomes



Estudante de Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Alagoas. Agente de Desenvolvimento, pela Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo, na cidade de Murici/AL. Integrante do blog Sociedade Encena (www.sociedadeencena.com).

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