Com
uma filmografia composta por mais de 31 trabalhos, incluindo Bye Bye Brasil! (análise
que você também pode ler neste blog, no texto de Claudionor Gomes) e com 21
premiações, incluindo o Prêmio de Melhor Diretor no Festival de Havana, pelo
filme supracitado, Cacá Diegues dificilmente decepciona. E não foi diferente no
longa Deus é Brasileiro. A comédia, lançada em 2003, foi uma adaptação do conto
“O Santo que não Acreditava em Deus”, de João Ubaldo Ribeiro. Além de Cacá
Diegues, João Emanuel Carneiro e Renata de Almeida participaram do processo de
adaptação.
No filme, o Deus
brasileiro, encenado com perfeição por Antônio Fagundes, precisa urgentemente tirar
férias. A demanda de atividades incessantes fez com que Deus desbravasse
algumas terras brasileiras em busca de seu substituto ideal. No entanto, a
procura não é simples. Para enfrentar algumas adversidades do percurso, Deus
promove (não tão amigavelmente) a “ajuda” daquele que seria seu fiel escudeiro
na caminhada, Taoca, que ganha vida na pele do inconfundível Wagner Moura.
Assim, Taoca passa a acompanhar o mestre em sua empreitada.
Pelo papel, o ator
Wagner Moura acumulou mais um prêmio em sua carreira, agora vencendo o troféu
APCA de 2004, na categoria de Melhor Ator. Além dessa conquista, o filme de
Cacá Diegues foi indicado ao Grande Prêmio Cinema Brasil, nas categorias Melhor
Som, Melhor Fotografia e Melhor Direção de Arte e indicado ao Festival de
Cartagena de 2004, na Colômbia, na categoria Melhor Filme.
Bem, mas voltando a
trama, é simplesmente fantástica pra mim essa atmosfera do cinema brasileiro,
que paira nas belezas naturais e na riqueza dos rituais da parcela do povo mais
humilde. O filme é repleto desses componentes inigualáveis da cultura
brasileira, em especial, no caso do filme, a nordestina. Para um alagoano como
eu, visualizar cenas de Deus caminhando pelo meu Estado, pairando sobre os
belos rios, descansando na sombra dos coqueirais cheios de curvas, respirando o
nosso ar que sopra ventos com lindas melodias, mesmo sendo encenação, me leva a
um êxtase de felicidade imensa. Dificilmente se sobrepõe ao fanatismo que os
filmes brasileiros de tiroteio causam, mas é bem verdade que temáticas
religiosas também criam apreço por essas bandas. Renovam a fé e imprimem à
imaginação novas formas de pensar o divino, através de uma viagem sem volta
pela mente do diretor e do roteirista.
Deus é Brasileiro
superou alguns tabus para retratar a imagem do Criador. Aqui, Deus é irônico,
meio rabugento é verdade, mas é esperto, flexibiliza suas próprias leis de “não
se fazer milagres” para “se fazer mágicas”. Porém, Deus enquanto homem deixa a
desejar referente ao seu posicionamento diante da mulher e sua excitante
beleza. Durante as cenas que se seguem, você vai se deparar com Madá,
personagem de Paloma Duarte. Madá é uma mulher solitária, que acaba de perder
um ente querido e capaz de tudo para se mudar para São Paulo. Disposta a viver
na metrópole, Madá implora a Deus no corpo de homem e a Taoca para que a levem
junto, sendo capaz até de apelar para o sexo, despindo-se na frente dos dois
por um breve momento e aguardando apreensivamente que seus futuros companheiros
de viagem sintam fome pela sua exuberância. O que não dá muito certo, já que o
próprio Deus ordena que se vista.
De beleza monumental, a
jovem continua a seguir os dois, num desejo forte de deixar aquela terrinha
apenas na lembrança. Ao passar do tempo, você, espectador, ficará confuso se
está ou não se formando um triângulo amoroso. O que seria a quebra de mais um
tabu quanto a retratação de Deus. Algumas insinuações deixam clara a possível
existência dessa relação: Taoca dizendo que Deus no infinito espaço do universo
era por demais sozinho; novamente Taoca, dessa vez dizendo que Deus estava
declaradamente interessado em Madá; a constante troca de olhares de Deus e
Madá; o momento em que Deus faz Madá flutuar por um instante, e Taoca percebe
muito descontente aquela sintonia romântica dos dois, etc.
O filme é simplesmente
imperdível. Através de uma atmosfera divertida de algumas realidades
brasileiras, e o olhar divino carinhoso para a simplicidade do povo que se
encontra pelas estradas nordestinas a fora, Deus é Brasileiro cumpriu bem a
missão de retratar um pouco da fé local, da beleza quase que poética dessas
terras por vezes esquecidas, renovando as imaginações para pensar um Deus que
caminha entre nós, que compreende bem a linguagem malandra (como em Taoca) de
seus fiéis e que “também é filho de Deus” (risos)... Ou seria, “filho dele
mesmo”? Bom, o que sei é que Deus também merece férias.
(Aquele abraço... ♫)
Wanderson
Gomes
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