Se uma palavra pudesse descrever essa obra seria sutileza. O filme do diretor Daniel Ribeiro que também assina o roteiro. Em 2010 o mesmo diretor lançou o curta Eu Não Quero Voltar Sozinho que já foi comentado pelo blog, cuja a temática é descoberta da sexualidade por um adolescente cego e também homossexual de uma forma inusitada. Hoje eu quero voltar sozinho tem um aspecto atemporal, pois a mudança de comportamento entre os personagens varia entre o início da adolescência e a aproximação da fase adulta e o espaço, por mais que seja explicitado que se passa em São Paulo, os cenários poderiam ser em qualquer cidade grande.
Hoje eu quero voltar sozinho, como dito antes, é sutil e extremamente sensível, não apenas por seu personagem principal ser cego, mas pela forma como ele toca nas temáticas principais: conflitos da adolescência, bullying, sexualidade e cegueira.
Léo (Ghilherme Lobo), personagem principal, sente-se preso/vigiado pelos pais e busca a sua independência, como parcela considerável dos adolescentes. O superprotecionismo da mãe o incomoda e o leva a pensar a sair de casa por desejar ser a liberdade, claro que isso de forma não planejada, ficando no campo dos desejos. Eu entendi esse como sendo o grande tema do filme, por isso a mudança do título “Hoje eu quero voltar sozinho”.
Quanto ao Bullying fica claro já nos primeiros minutos do filme quando, em sala de aula, Léo é constrangido por um colega, porém a personagem Giovanna (Tess Amorim) que é sua melhor amiga cria uma especie de proteção para que o seu amigo não sofra bullying, através da companhia na escola e o cuidado que ela sempre tem com ele. Mesmo assim, Leo é marcado pelo bullying e passa por alguns durante o filme.
Essa amizade protetora, tipo “melhor amigo de infância”, de Leo e Giovanna é abalada com a chegada de um novo aluno: Gabriel (Fabio Audi) que se aproxima deles e passa a formar o trio de amigos. O filme utiliza o clima e o espaço escolar como o espaço social onde as relações se aproximam e se distanciam, tanto para aproximação de Léo e Gabriel como para o distanciamento com Giovanna.
O tema da sexualidade é tratado de forma delicada e natural, o fato de ser homossexual em nenhum momento se mostrou algo desastroso ou frutante para Léo, diferentemente do personagem de Fabio Audi, que aparentou uma crise maior em relação a sua sexualidade. Porém, a aceitação e afirmação de serem homossexuais aconteceu através de uma história onde “sempre viveremos o primeiro amor”, numa perspectiva adolescente. O diretor foi muito feliz em dar essa forma ao tema, que é abordado de forma mais explicita no curta. Quanto ao famigerado “beijo gay” do filme, não deixou a desejar, porque não se trata apenas de um beijo, mas de um símbolo do amor romântico que caracteriza o primeiro amor. Quando a militância a favor do movimento LGBT acontece no momento em que dois saem de mãos dadas.
A cegueira de Léo em nenhum momento parece ser um problema determinante para o personagem principal, nem para Giovanna e Gabriel. O fato dele ser cego traz algumas limitações porém não é algo que o levará a solidão e a viver em um mundo superprotegido como deseja a mãe de Léo, que é a personagem que evidencia as limitações da cegueira em todo o filme. Ainda nesse tema me surpreendeu a forma com que o diretor trabalhou a sexualidade e a cegueira, na cena da masturbação de Léo, o personagem se excita com o cheiro de Gabriel e mostra seus desejos sexuais.
Hoje eu quero voltar sozinho, tem um roteiro que deixa a desejar em alguns momentos, com diálogos “vazios”, mas que fazem parte do cotidiano dos personagens, a exploração dos temas é invasiva, porém acontece como algo natural e são tratadas de forma rápida, como as discussões de Léo com os pais, como a briga entre Léo e Giovanna e sua reconciliação. As falas são sempre colocadas uma após a outra sem interrupção do outro personagem, porém as ações não seguem a mesma ordem. O romance entre Léo e Gabriel e a amizade com Giovanna traz à cena um modelo de relacionamento que pode ser caracterizado como tendência universal devido a relação homoafetiva ter uma mulher como a melhor amiga, como acontece em muitos casos.
Não posso deixar de falar da atuação de Ghilherme Lobo, que merece destaque, pois sua capacidade de expressar sensações e sentimentos apenas com a fisionomia do rosto sem o olhar é muito bem trabalhada, e merce destaque.
Por fim, o filme tratou a temática da deficiência física e da sexualidade como coadjuvantemente e evidencia a adolescência e o primeiro amor, fiquei bastante feliz por ter tratado esses temas em conjunto e com naturalidade, onde o ser cego, o ser gay, o ser adolescente não tem força maior ou menor que o outro durante o filme, todos conversam em pé de igualdade.
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