Os mercenários

Os-Mercenarios_ACAOA presente análise busca, de maneira mais distanciada possível em termos de juízo de valor, tecer algumas considerações sensíveis à proposta do filme aqui trabalhado. Depois, o filme passará pelo crivo de interpretação sociológica, de ordem que venha a levantar alguns questionamentos e/ou conclusões a respeito da teoria social sobre a ação que está sendo representada no filme.
Os Mercenários, de direção de Silvester Stallone e com elenco de renomados atores como o próprio Stallone, Jet Li, Terry Crews, Bruce Willis, Arnold Schwarzenegger e Jason Statham, apresenta uma proposta de ação em quase todos os momentos do longa. Com um enredo básico que não envolve muitas conspirações, o objetivo claro é mostrar a força de um grupo de ex-guerrilheiros que se unem num tipo de empresa limitada que oferece serviços de intervenção de guerra. Tendo alguns exemplos iniciais da capacidade de organização e assaltos, como na invasão do barco de piratas Somalianos, é na violência pelas armas e pelas lutas de artes maciais que encontramos a grande força motriz do desenrolar da história. Sem a necessidade do uso de outras capacidades humanas, como a inteligência discursiva, o filme se resolve mediante a troca de tiros e socos e pontapés. Um tipo de ação esperada, uma vez que Stallone é o diretor ao mesmo tempo que o líder dos mercenários.


A história envolve uma metáfora política recorrente nos filmes de ação produzido pelos norte-americanos, principalmente se Stallone está no enredo: os vilãos são, mais uma vez, ditadores comunistas latinos que exploram o povo e que os deixam tristes. A CIA aparece para intervir e combater este governo do país fictício da América do Sul. Nota-se a semelhança entre o desenho bandeira de Vilena, o país fictício, e Cuba, quando os soldados do governo aparecem na guerra contra os 5 invencíveis e mais inteligentes mercenários americanos. Durões, estes banalizam a violência quando, enquanto agem, trocam piadas ou falam sobre mulheres. Em suma, ação é o princípio, e roteiro é o segundo plano.
Sob o viés de interesse sociológico, podemos tratar do filme em dois momentos: fora da saga e dentro da saga. Nesta análise, quando se toma uma análise fora de saga busca-se encontrar razões e possíveis efeitos práticos e reais do filme, ou seja, quais os possíveis efeitos de feedback para a massa de expectadores que o consome. Já na análise dentro da saga, busca-se compreender o tipo de orientação da ação dos personagens.
É possível que o filme possua admiradores e críticos ferrenhos por conta do excesso de ação proporcional à pouca elaboração do enredo. Mas o que interessa de fato como feedback à sociedade é uma ideologia persistente dos Estados Unidos como salvadores e implantadores de felicidade num tipo de sociedade que se organiza em Estamentos, longe da democracia, tal qual uma ditadura socialista. O país sulamericano é apresentado como pouco desenvolvido e sem uma economia que pareça ser baseada nos moldes do Capitalismo ou, como o movimento do mundo se encontra, inserido na Globalização. Isso porque o tipo ideal que se elabora para compreender estes aspectos locais se baseia somente na pequena ilha onde se situa o palácio
do governo de Vilena. Além desta ilha, o país não existe mais. O final do filme não trata de quem assume o poder do país quando todos os vilãos são destruídos. O símbolo do governo, o palácio, é destruído pelos mercenários e eles voltam aos dias atuais nos Estados Unidos. A atriz de origem mexicana que se erradica no Brasil Giselle Itié participa do longa sob a personagem Sandra, a filha do ditador, e se despede dos Mercenários ficando em Vilena como uma esperança de novos ares no governo daquele país. No entanto, como foi de interesse da CIA a destruição do governo “do mal”, subentende-se que os Estados Unidos estavam interessados no controle da região.
Falamos do filme enquanto fora de saga, o que pode trazer uma reflexão de ordem político-ideológica sobre as possibilidades que o filme traz. Agora, passemos a analisar o filme sob a perspectiva dentro da saga, no intuito de encontrar peculiaridades dos personagens principais à luz da sociologia.
Os mercenários foram contratados por um agente desconhecido (que depois é descoberto como agente da CIA) que negociou com eles a invasão do país Vilena e a destituição de seu presidente. Aceito a proposta e chegando ao país, os mercenários conhecem a jovem Sandra, onde descobriu-se que ela é filha do ditador, mas que luta pela felicidade do seu povo (a ideia de felicidade é facilmente associada à democracia e à liberdade). Sandra não compartilha com as ideias de seu pai, e os mercenários passam a ser perseguidos por soldados do governo. Ao fugir, tentam convencer Sandra a deixar o país, mas seu sentimento de apego a seu país a faz desistir de fugir junto com os mercenários americanos. Este fato fez com que a ação dos mercenários, antes voltada à negociação de receber dinheiro pelo serviço de destituição do ditador de Vilena (o que constitui uma ação social com relação a fins, tipo de ação cunhado por Weber), se torne uma ação orientada pela emoção e pelo afeto (agora, interessava salvar a mulher e não necessariamente destituir o ditador do poder). Temos aqui, portanto, a passagem da ação racional com relação a fins para uma ação afetiva, de caráter irracional, que não toma consciência das consequências do que a ação pode engendrar. No fim, o governo de Vilena é destruído e Sandra, que estava refém, é libertada.
Esta análise buscou usar a reflexão sociológica para compreender o filme em dois momentos, aqui chamados de fora de saga e dentro de saga, no intuito de realizar uma análise não unilateral, ainda que sem tantos esforços nem aprofundamentos. A reflexão permitiu ainda a constatação de que alguns filmes de ação americanos com ênfase internacional permanecem com a ideologia de quando ainda se fabricavam filmes durante a Guerra Fria na segunda metade do século XX, sob a propagação intensa da ideia de que o país de ordem socialista é vilão e que potências econômicas como os Estados Unidos estão mais bem preparadas para enfrentar o terrorismo e trazer “felicidade” e democracia ao “povo oprimido”.

Claudionor Gomes – @nogomes
Assista ao trailer:

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